30.3.05

“Crazy Mary”

Algures no inicio dos anos noventa, no meio de uma colectânea daquelas que os amigos oferecem uns aos outros, conheci uma música fantástica interpretada pelos Pearl Jam, chamava-se “Crazy Mary”.
É verdade que o álbum de estreia da banda, “Ten”, figurava entre os meus preferidos na época, e ambos os guitarristas dos Pearl Jam (Stone Gossard e Mike McCready) serviam de exemplo às minhas veleidades artísticas, mas esta canção foi daquelas que me cativou a atenção de tal forma que não descansei enquanto não passei para um papel a respectiva letra e acordes. Como ainda não havia internet lá em casa a tarefa foi mais dificultada do que seria nos dias de hoje, em que basta fazer uma busca e surgem dezenas de páginas com as letras, acordes e tablaturas. Na altura lá tive de esforçar os ouvidos e gastar a cassete para trás e para frente para atingir os meus propósitos. Os acordes, diga-se em abono da verdade, não davam muita luta, já a letra, esgotou claramente os conhecimentos que tinha da língua inglesa e só agora me dou conta que afinal me fartei de inventar sempre que cantei o “Crazy Mary”.
Em algum momento nos últimos 10 anos, a cassete desapareceu, os gostos musicais diversificaram-se e a verdade é que nunca mais ouvi, nem me lembrei de procurar pelo “Crazy Mary”. Não sei porque carga de água – talvez por influencia da temática folk que o Billy tem imposto ao AiFai – dei por mim num destes dias a trauteá-la outra vez. Uma rápida busca na internet e lá descobri que se trata de um original de Victoria Williams, gravado pelos Pearl Jam, num álbum de apoio à cantora folk ("Sweet Relief: a Benefit Victoria Willimas", de 1993), a quem tinha sido diagnosticada esclerose múltipla. De acordo com o Allmusic, a iniciativa foi um êxito e os fundos recolhidos foram suficientes não só para cobrir as despesas médicas da cantora mas também para criar um fundo (Sweet Relief Fund) para assistir outros músicos com problemas de saúde.
Voltando ao “Crazy Mary”, procurei no iTunes e, para além de duas versões da própria Victoria Williams (do álbum "Loose" e ao vivo em "This Moment: In Toronto...") só havia uma interpretada pelos Pearl Jam, gravada ao vivo em "Live at Benaroya Hall – Oct. 22, 2003". Não era a mesma que eu conhecia mas lá fiz o download.
Tenho estado a reouvi-la insistentemente e ainda não me cansei. Que saudades tinha do “Crazy Mary”.

26.3.05

Psapp (ou mais vale tarde do que nunca)

O nome é estranho mas a música é de boa cepa. Descobri a banda, por acaso, numa incursão pelas novidades que se podem encontrar nos escaparates catalogados com o termo “alternativa”. Quando tenho tempo e paciência, dedico-me a esse desporto. Retiro discos, mais ou menos ao calhas, das prateleiras e escuto-os em busca de surpresas agradáveis. Muitas vezes é preciso cavar numerosos buracos antes de descobrir a compensadora minhoca. Mas, mais cedo ou mais tarde, ela acaba por aparecer. E por ser apanhada.
A música dos Psapp que se pode encontrar no álbum “Tiger, My Friend”, assenta os seus factores de atracção numa base electrónica a que se acrescentam instrumentos acústicos e uma bela voz feminina. Como dizem os próprios elementos do duo, Carin Clasmann e Galia Durant, o segredo está apenas em construir canções a partir de “pequenos ruídos”. À falta de melhor, pode garantir-se que as referências para estes sons que me cativaram de imediato estão em grupos como os Ruby e os Stereolab.
Há algo de infanto-juvenil nas faixas de “Tiger, My Friend” que se torna irresistível. “Leaving In Coffins” e “Curuncula” são dois bons exemplos do minimalismo aplicado à pop que é praticado pelos Psapp. Recomenda-se a audição e, já agora, uma visita ao “site” oficial da banda. Eu fiquei a saber que, longe de serem um grupo candidato ao estatuto de “next big thing”, a sua produção já vai em oito álbuns. Mais vale tarde do que nunca.

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CSN&Y

"CSN&Y! Nome mágico para mim, ainda hoje. No início, tudo por causa do "Y" de Young e agora, das letras todas. Em Novembro de 1974, dava tudo para ler reportagens e ver fotos do grupo porque acabara de decobrir a sonoridade acústica das Martin e de um instrumento fetiche que era utilizado em Teach your children: a pedal steel guitar. No caso, por Jerry Garcia que tinha acabado de aprender a tocar o instrumento. Por isso, em Novembro de 74 comprei a Rock & Folk que namorava já há alguns meses, mas que nunca me seduzira pela capa. Nesse mês, prometia um artigo sobre os CSN & Y e cumpria, com uma belíssima reportagem sobre um dos últimos grandes concertos do grupo, em Wembley, por ocasião de um festival que também lá levou os The Band, Jesse Clon Young e Tom Scott & the LA Express, para além de Joni Mitchell. Só as fotos, valem a revista!O poster central da revista (duas páginas, quoi!) ornou o muro do meu quarto de adolescente durante esse tempo. Por causa das três violas Martin, em tonalidades de madeira diferente- duas D45 (Crosby and Nash) e uma D28 (Still). Já nessa altura tinha ouvido Harvest de Neil Young e Wild Tales de Graham Nash. Mas foi outro que me marcou o ouvido, nesse tempo: o LP de Graham Nash e David Crosby, gravado para a Atlantic em 1972 e que só nos anos noventa recuperei a audição e a visão da capa original; com uma foto de ambos em saudação à audiência! A faixa mágica era (e é) Southbound Train! Uma benção!"

Olá José. Bem-vindo de regresso ao AiFai. Confesso que nunca escutei o álbum de estreia da dupla Crosby & Nash. Tenho na minha colecção o disco posterior, "Wind On The Water", de 1975. "Carry Me", o tema de abertura, é daqueles que têm de figurar entre o que de melhor estes dois músicos, assim como os seus companheiros Stills e Young, fizeram ao longo das suas carreiras.

21.3.05

Stills, Stephen Stills

Crosby, Stills, Nash & Young. Durante algum tempo apenas os conheci pelos apelidos que, juntos e pronunciados por aquela ordem, identificam uma banda de existência fugaz mas que deixou a sua marca indelével nos anais do "folk-rock". Foi através de um 45 rotações que este ilustre quarteto me foi apresentado. Num dos lados figurava o clássico "Helpless", de Neil Young. No outro, estavam impressos no vinil os sulcos por onde a agulha do gira-discos ia circulando, transmitindo para as colunas os acordes e as vozes de "Woodstock", hino composto por Joni Mitchell. Em festas e serões do início dos anos 70, o "single", com a sua capa de fundo amarelo sobre o qual surgiam as fotos a preto e branco dos quatro elementos do grupo, era uma presença fiel. Foi o ponto de partida para os conhecer melhor, designadamente no que respeita às suas obras a solo.
Nessa altura estavam no auge. Stills, que só mais tarde soube ter Stephen como nome próprio, era frequentemente integrado entre a restrita lista de "guitar heroes" da época, ao lado de magos como Eric Clapton ou Jimi Hendrix. Em 1968 tinha gravado uma sessão com Mike Bloomfield e Al Kooper de que resultou a edição do excelente "Super Session", objecto de reedição recente em CD. Sou um apreciador moderado de Stephen Stills enquanto instrumentista. Agrada-me, sobretudo, a voz rouca e "bluesy" que, além das harmonias vocais do refrão, foi um argumento decisivo para ter gostado de "Woodstock" assim que escutei esta canção pela primeira vez. Aprecio, igualmente, a qualidade dos temas de que é autor e acho que este é um dos seus segredos.
Foi, por isso, com grande satisfação que um destes dias, enquanto andava em busca de discos no meio do caos em que já se transformou a minha colecção, deparei com os dois primeiros álbuns a solo do guitarrista, intitulados simplesmente "Stephen Stills" e "Stephen Stills 2". Arrecadei-os de imediato e levei-os para o carro, decidido a reentrar nesse mundo injustamente esquecido onde a folk, o rock e os blues se cruzam para produzir música de eleição. Além dos temas óbvios, como "Love The One You're With" e "Change Partners", os grandes prazeres deste reencontro foram também justificados pela audição de "Do For The Others", "Old Times Good Times", "Black Queen", "Nothin' To Do But Today", "Know You Got To Run", "Singin' Call" e "Word Game".
Numa altura em que se assiste à formação de uma nova onda que recupera as boas tradições da folk, não é má ideia revisitar os velhos mestres. Stephen Stills faz parte dessa notável galeria.

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18.3.05

Os créditos dos Air

Os Air são uma banda bastante apreciada por estes lados mas tenho a impressão de que esta é a primeira vez que se lhes faz referência no AiFai. O histórico acontecimento não fica a dever-se ao aparecimento de alguma novidade, mas apenas a um impulso surgido enquanto eu escutava "Talkie Walkie", o mais recente CD do duo francês. Quem aprecie "La Femme d'Argent", o instrumental que abre o seu álbum mais celebrado, e também aquele que lhes escancarou as portas da fama, escuta pela primeira vez cada nova edição na esperança de voltar a descobrir uma linha de baixo tão bem engendrada como a que sustenta aquele tema. É, pelo menos, o que tem acontecido comigo de cada vez que me disponho ao primeiro contacto com um dos sucessores de "Moon Safari".
A espera, como bem sabe qualquer seguidor atento da obra dos Air, tem sido em vão. Talvez seja melhor assim, porque a tentativa de repetição de fórmulas que anteriormente tiveram sucesso pode acabar por revelar-se uma política desastrosa. Por outro lado, por se tratar de exemplar único, a irresistível "malha" do baixo em "La Femme d'Argent" ainda se torna mais preciosa. E apetitosa.
Nada disto significa que os discos editados após "Moon Safari" sejam menos interessantes. "Talkie Walkie", por exemplo, lidera a lista das minhas preferências depois daquele lançamento. Inclui belas canções que cruzam a pop, o psicadelismo e a electrónica, todas elas decoradas com um saboroso aroma retro. Começando pelo fim, "Alone In Kyoto" é uma das minhas favoritas, seguindo-se, também, "Venus", "Cherry Blossom Girl", "Universal Traveler" e a inspiradíssima faixa que dá pelo título "Mike Mills", motivo para a frequente activação da função "repeat" que tem sucedido nos últimos dias.
Além da produção de boa música, os Air são também credores de outro inegável mérito, ao terem aberto o caminho ao aparecimento dos Zero 7, outros peritos de incontestáveis talentos nesta área da fabricação de sons. Razões de sobra para que os Air já mereçam o seu lugar na história da pop.

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"World Shut Your Mouth"

O meu carro deu o triste pio há uns dias atrás. Não foi nada de surpreendente. A vetusta viatura tinha 11 anos e perto de 300 mil quilómetros. Para um automóvel cujo motor era movido a gasolina, trata-se de um feito assinalável. Ficará para a história como um testemunho da solidez e fiabilidade da Volkswagen e do seu clássico Golf. Ainda não estou refeito deste lamentável evento, provocado por uma bomba de água que, depois de muito ameaçar, decidiu passar à reforma. Já era altura, de facto. Mas não consegui evitar um sentimento de nostalgia na hora de ter de me separar desse leal bólide a quem, confesso, talvez tenha exigido mais do que aquilo que seria sensato.
No princípio, a aparelhagem que tinha instalada no interior da máquina resumia-se a um auto-rádio com leitor de cassetes a que acrescentei quatro altifalantes de qualidade razoável. Foi o pretexto mais do que suficiente para passar longos serões a fazer gravações em fitas de 90 minutos que, de muito tocarem e de sofrerem as consequências das alterações meteorológicas, acabavam invariavelmente por se vingar, enrolando-se no mecanismo de leitura. Os temas incluidos nessas colectâneas eram os mais variados. O repertório foi evoluindo ao sabor da conjuntura, que é o mesmo que dizer-se que variou em função dos discos que iam sendo acrescentados à minha colecção.
Não sei por que razão, mas hoje, ao dizer o adeus definitivo ao pobre Golf de boa memória, só me recordava de ali ter escutado, dezenas de vezes, a canção "World Shut Your Mouth", de Julian Cope. Fez parte, como centenas de outras, do alinhamento de uma das cassetes que me fizeram companhia enquanto me sentava ao volante e seguia estrada fora, qual Jack Kerouac lusitano. Julian Cope tem algumas coisas com graça mas jamais integrou a lista dos meus músicos preferidos. E, entre jazz, clássica e pop/rock, "mainstream" ou alternativa, foram diversas e variadas as canções que escutei durante as horas, dias e meses em que viajei neste saudoso VW. Não consigo, por isso, encontrar uma explicação racional para o facto de aquela ter sido a única que ontem, de modo espontâneo, monopolizou os meus neurónios enquanto cumpria os rituais da despedida. Seria uma espécie de apelo para que o Mundo fizesse silêncio, por uns instantes, como forma de prestar a última homenagem a um herói que se retira após anos sucessivos de muitos e bons serviços prestados? Quem sabe?...

14.3.05

Sufjan Stevens e a moda

Já aqui escrevi, há uns meses atrás, sobre os Iron & Wine e, também, sobre os fabulosos Kings of Convenience, a propósito dos álbuns “Our Endless Numbered Days” e “Riot On An Empty Street”. São dois discos recheados de canções despojadas, intimistas, redentoras, que apetece escutar até fartar. Há que acrescentar, no entanto, um outro nome a esta lista específica. Trata-se de Sufjan Stevens, autor de “Greetings From Michigan The Great Lake State” e, mais recentemente, de “Seven Swans”.
De todos estes discos, e não são os únicos exemplares, há que saudar, em primeiro lugar, o regresso de uma tradição que andou algo perdida durante anos a fio, em que se incluem nomes consagrados, em vida ou após a morte, como os de Neil Young – sem os Crazy Horse, porque isso é outra conversa - ou Nick Drake. Os instrumentos acústicos dominam toda a música o que proporciona uma espécie de ilha paradisíaca num panorama actual em que se usa e abusa dos vastos recursos da electrónica. Nem sempre da melhor maneira.
Stevens tem um nome próprio invulgar e escolhe títulos para as suas canções que dão demasiado trabalho a decorar na íntegra. Mas que estes dois detalhes não sirvam de desincentivo a uma audição atenta dos seus lançamentos. “Seven Swans”, o mais recente CD, conjuga a sua voz tranquila com as guitarras acústicas e o bandolim, ornamentados, aqui e ali, com um suave coro assegurado por uma voz feminina simplesmente sussurrada. São canções elaboradas para ouvir no aconchego do lar. Sugestões de audição? “All The Trees Of The Field Will Clap Their Hands”, “The Dress Looks Nice On You”, “In The Devil’s Territory” e “To Be Alone With You”. Isto no que se refere a “Seven Swans”, pois no disco anterior – “Greetings…” – há muito mais para desfrutar.
O folk regressou à moda? Ainda bem.

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13.3.05

Uma Terra com Amos

Primeira constatação. O novo álbum de Tori Amos, "The Beekeeper", apresenta-se numa capa cuidadosamente elaborada, característica que se vem revelando uma constante sobretudo desde a edição de “Strange Little Girls”, o CD de versões lançado em 2001 e que, entre outras coisas menos conseguidas, inclui uma notável interpretação de “Rattlesnakes”, um original de Lloyd Cole and The Comotions.
Segue-se o facto de o disco integrar nada menos que 19 temas, num total que ultrapassa a hora e dez minutos de música. Como bónus, o comprador do produto em causa ainda tem direito a um DVD – que ainda não vi – com uma entrevista, algo que também começa a ser tradição nas edições de Tori Amos. E vamos, então, ao essencial.
As canções surgem como um prolongamento do disco anterior, “Scarlet’s Walk”. Menos sombrias do que sucedeu noutros discos, como “From The Choirgirl Hotel”. Mais fáceis de apreender – e de gostar – à primeira audição. Os arranjos e a produção estão dentro dos padrões que se podiam esperar: simplicidade e bom gosto em doses fartas, com o recurso, numa ou noutra ocasião, a guitarras – eléctricas e acústicas –, tipo de solução que raramente tem sido utilizada na carreira de Tori.
Com tudo isto, só posso afirmar que gosto muito. Mas não é fácil escolher as canções favoritas. Enquanto escrevo estou a escutar o CD, Já vou na quinta faixa, “Barons of Suburbia”, e são todas do meu agrado. Ainda assim, correndo o risco de ter de editar este “post” nos próximos dias, posso apontar, quase à sorte, “Sweet The Sting”, “The Power of Orange Knickers” – Damien Rice faz pouco mas soa bem –, “Sleep With Butterflies”, “Ribbons Undone” e, enfim, todas as outras… "The Beekeeper" vai ser um daqueles discos que servirá de teste à muito apregoada longevidade dos CD. E como meio de prova de que há evidentes vantagens em viver numa Terra com Amos.

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12.3.05

Jack Johnson e Jack Johnson

Há umas semanas atrás, junto de um amigo meu que andava enfeitiçado pelas canções do Josh Rouse, decidi indagar se alguma vez tinha escutado os Eels. É um instinto irreprimível em qualquer apreciador de música esta vontade de divulgar os sons de que se gosta. Como obtive uma resposta negativa, saquei o meu iPod do bolso do casaco, pus a tocar o tema “Fresh Feeling”, do álbum “Souljacker”, passei-lhe os auscultadores e esperei pela sua reacção. Não passaram mais de cinco segundos para que a personagem em causa começasse a esboçar um sorriso que se foi progressivamente alargando, à medida que ia meneando a cabeça em sinal afirmativo. No dia seguinte, cumprindo uma promessa, entreguei-lhe uma colectânea de temas que passei para um CD a partir do iTunes.
Este género de situações não gera dívidas. Mas, algum tempo depois, veio a réplica. O tal amigo perguntou-me se eu já alguma vez tinha escutado Jack Johnson. Percorri rapidamente a minha memória e, a respeito daquele nome, só me conseguia recordar de um disco de Miles Davis, do início dos anos 70, que homenageava o “boxeur” homónimo. O álbum, aliás, tinha sido a banda sonora de um filme sobre a vida daquele atleta. Mas não era de nada disso que se tratava, como rapidamente fiquei a saber. Enquanto o diabo esfrega um olho, saltou de cima da secretária para as minhas mãos um exemplar do CD “In Between Dreams”, do tal Jack Johnson que não correspondia ao que eu estava a pensar.
Trouxe-o para casa com grande curiosidade em escutar a novidade. Veredicto? Aqui está um aprazível disco de pop, daqueles que nos tempos mais recentes me têm forçado a desviar a atenção de outros estilos que não dispenso como o jazz e a erudita. Bom para trautear, escutar em casa ou no carro e manter o bioritmo em terrenos positivos. Aconselhável para quem goste de guitarras acústicas que soam como uma limonada fresca numa tarde de Verão.

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Tyner e Weston no Carrefour

A 7,5 euros cada exemplar, o Carrefour dispõe-se a vender aos melómanos que por lá passem alguns discos que merecem figurar numa colecção digna desse nome. Numa rápida surtida pelo hipermercado que está instalado no Oeirasparque, arranjei paciência para procurar, no meio daquela desarrumação, um ou outro álbum que me pudesse interessar. Havia velhos clássicos de John Coltrane, dos anos 60, mas esses já fazem parte do meu espólio. E também uma razoável representação de McCoy Tyner, um dos companheiros daquele mago dos saxofones tenor e soprano durante o referido período.
Como tinha prometido a mim próprio que, apesar do preço convidativo, não iria entrar em exageros, decidi estabelecer o limite de dois CD para aquele périplo consumista. E foi desta forma que trouxe para casa dois discos bem agradáveis. O primeiro, assinado por Tyner, é uma homenagem a Duke Ellington. O álbum, intitulado simplesmente “McCoy Tyner Plays Ellington”, conta com as participações de Jimmy Garrison (contrabaixo) e do empolgante Elvin Jones (bateria) – mais dois músicos que integraram o quarteto histórico de Coltrane –, assim como os originais contributos de dois percussionistas: Willie Rodriguez e Johnny Pacheco.
O disco integra nove temas, oito dos quais foram compostos por “Sir Duke”, foi gravado em 1964 e o que se pode esperar é uma interpretação estimulante de clássicos como “Solitude”, “Caravan” e “Satin Doll”. É McCoy Tyner ao seu melhor nível, evocando não apenas Ellington mas também o líder da banda que ajudou a fazer entrar nas páginas mais ilustres da história do jazz.
A segunda escolha incidiu sobre um intérprete, igualmente pianista, que ainda não tinha gozado da oportunidade de figurar nas minhas listas de CD. Trata-se ­de “Saga”, obra gravada em 1995 por um septeto liderado por Randy Weston, onde figuram também os nomes de Talib Kibwe (saxofone alto e flauta), Billy Harper (saxofone tenor), Benny Powell (trombone), Alex Blake (contrabaixo), Billy Higgins (bateria) e Neil Clarke (percussão). Aqui está uma bela colecção de dez temas que, nalgumas passagens, fazem lembrar os sons inocentes dos anos 60, temperados com condimentos contemporâneos mais ousados, tudo assente sobre uma sólida base de bop.
Apesar dos amendoins com sal e dos pistachos que também trouxe para casa naquele dia, os dois discos foram as melhores aquisições desta deslocação ao Carrefour. Boa música a baixo preço. O que pode haver de melhor?

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11.3.05

Tuatara ou o prazer da descoberta

Aqui há uns dias, o autor do blogue "Mug Music" passou aqui pelo AiFai e deixou uma mensagem a propósito de "The Beekeeper", o novo álbum de Tori Amos. Com a curiosidade espicaçada, decidi fazer uma visita ao referido blogue para apreciar o que por lá se escrevia. Uma das surpresas foi o facto de, enquanto dava uma leitura pelos textos, ter escutado, pela primeira vez, um tema de uma banda baptizada com o exótico nome de Tuatara.
Já percebi, depois de uma curta investigação na internet, que se trata de uma espécie de "super-grupo", à moda dos anos 70, reunindo elementos de diferentes bandas, onde se inclui o guitarrista dos R.E.M., Peter Buck. Fiquei deveras interessado em conhecer melhor a obra dos Tuatara. Rumei, então, à iTunes e fiz uma pesquisa que me devolveu, em resposta, aquele que é o seu penúltimo álbum, "Cinemathique". Escutei alguns pedaços dos vários temas do disco e, no final, decidi perder o amor a 9,99 euros, dando ordens para que se realizasse o necessário "download", com os custos a serem debitados, em breve, através daquele pedaço de plástico capaz de curar tudo, inclusivamente estados depressivos.
Posso garantir que o disco em causa é excelente. Música instrumental que mistura diversas referências, do rock ao jazz e ao funky, e que resulta num óptimo cocktail, com força suficiente para sugerir situações e imagens a quem o escute. Transferido para o iPod, o CD tem sido, nos últimos dias, uma das minhas companhias favoritas quando me encontro ao volante, a par de "Fly", de Jah Wobble, e de "'64-'95", dos Lemon Jelly. Descontando os dois discos que, a preço especial, adquiri no Carrefour - sítio que me foi recomendado pelo paul, um homem sempre atento às pechinchas disponíveis no mercado - é, até, uma das grandes compras que fiz nos tempos mais recentes. Os meus agradecimentos ao muguele, pelas responsabilidades que teve neste prazer de uma nova descoberta.

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7.3.05

Compras recentes

Em formato CD ou em ficheiros AAC adquiridos na loja iTunes, eis as minhas compras mais recentes:

"The Sound of Sonny Rollins" - Sonny Rollins

"Breaking Point" - Freddie Hubbard

"Speak Like a Child" - Herbie Hancock

"Want Two" - Rufus Wainwright

"The Beekeeper" - Tori Amos

"Hi-Voltage" - Hank Mobley

"Nashville" - Josh Rouse

"Young Forever" - Aberfeldy*

"Seven Swans" - Sufjan Stevens**

"The Cosmic Game" - Thievery Corporation

*Cinco temas deste álbum comprados na iTunes
**Quatro temas deste álbum comprados na iTunes

Onde descobrir a boa pop lusitana

"Há quase duas décadas que não havia tanta e tão boa música feita em Portugal como agora. Infelizmente, e apesar de muitas das novas bandas terem demos, EPs e até álbuns e videoclips gravados, o espaço que lhes dedicam nas nossas rádios e televisões é quase nulo. Mas quem quer que visite o pequeno circuito de concertos nacional (em Lisboa temos Lux, Lounge, Zé dos Bois, Santiago Alquimista e mais alguns "resistentes") poderá descobrir uma verdadeira sopa primordial..."

Aqui fica, com o destaque merecido, a sugestão de BabysOnFire. E o agradecimento pelo comentário.

Desânimo?

"Começo a ficar desanimado com a tão pouca actualização deste espaço tão agradável :("

É este o simpático desabafo do nosso vizinho do blogue "The Laundry Blues". Porque não queremos semear desânimo na blogosfera, aqui está uma actualização - :) - e a sugestão de que leiam o post sobre o concerto dos Genesis realizado em 1975, em Cascais. Vamos a ver se nos próximos tempos conseguimos dedicar-nos ao AiFai com mais assiduidade.

Eu estive lá!

Faz hoje 30 anos. Na companhia de três amigos, que eram também grandes fãs dos Genesis de Peter Gabriel, apanhei o comboio para Cascais, na estação do Cais do Sodré, em Lisboa, e rumei ao pavilhão do Dramático. Com o bilhete bem guardado num dos bolsos das calças de ganga e fornecido com meia dúzia de escudos destinados à pequena transgressão de uma cerveja na esplanada do Hotel Baía, partilhei com esses companheiros de aventura um crescente sentimento de ansiedade a propósito do espectáculo a que iriamos assistir.
A banda estava no seu auge, tinha acabado de surgir em Portugal uma das suas obras-primas, o duplo-álbum "The Lamb Lies Down On Broadway", e as encenações fantásticas de Gabriel em palco eram um elemento suplementar de fascínio. Todos sonhávamos com a oportunidade de testemunhar uma dessas actuações de cada vez que alguém adquiria uma revista estrangeira com fotografias do vocalista em pleno labor.
As carruagens da linha do Estoril estavam, naquele dia, lotadas com gente que não queria perder aquela que seria uma das derradeiras prestações ao vivo de Peter Gabriel com o seu primeiro grupo. Na altura, ninguém podia adivinhar que o líder iria anunciar o seu abandono e a entrada numa carreira a solo poucos meses depois de a digressão ter terminado, deixando órfãos milhares de apreciadores dos Genesis para quem o rock progressivo até terá acabado nesse mesmo dia.
O trajecto foi passado entre umas anedotas novas e a inevitável recapitulação de muitos dos temas dos Genesis que mais nos estimulavam na altura. Sabiamos que o prato forte do espectáculo seria a interpretação integral de "The Lamb Lies Down On Broadway" mas cada um de nós dava o seu palpite sobre os temas que poderiam ser escolhidos para os eventuais "encores". Uns queriam "Supper's Ready", outros sonhavam com "Dancing With The Moonlit Knight", em que Gabriel surgia em palco embrulhado na "Union Jack". Ninguém acertou. Após uma inesquecível actuação, que ainda actualmente coloco entre o que de melhor vi em toda a vida em matéria de prestações ao vivo, os Genesis presentearam a vasta plateia do Dramático, nesse segundo dia de apresentação em Portugal, com "Musical Box", a canção que abria o álbum "Nursery Crime".
O regresso a Lisboa foi totalmente preenchido com a discussão sobre os detalhes do espectáculo. Os trajes de Gabriel, a versatilidade da sua voz e as suas capacidades dramáticas, a poderosa guitarra de Steve Hackett, que nessa altura ainda preferia apresentar-se perante o público tranquilamente sentado numa cadeira colocada a um canto do palco, os solos de Tony Banks nos teclados, a energia de Phil Collins por detrás de uma ampla bateria e a presença discreta de Mike Rutherford que, no baixo ou na guitarra de dois braços, ajudava a encher o som da banda.
Uma vez chegados à capital, separámo-nos ainda enfeitiçados pelo deslumbrante evento que tinhamos presenciado. Um dos meus amigos era, também, meu vizinho. E, já no autocarro, acabou por me desafiar a ir até casa dele, onde prepararia uma pequena ceia. Aceitei o convite. Da ceia, sinceramente, não me recordo. Mas tenho bem fresca na minha memória a audição, de fio a pavio, que fizemos de "The Lamb Lies Down On Broadway" no velho gira-discos que havia lá em casa. Em silêncio devoto, apenas quebrado para recordarmos, enquanto o vinil ia rodando no prato, todos os pormenores da encenação que os Genesis haviam montado. Foi tudo soberbo. É o mínimo que se pode dizer sobre esse longínquo serão de 7 de Março de 1975.

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