28.10.04

Boas vibrações

Sou, desde anteontem, o feliz proprietário de um iPod com uma capacidade de 40 GB. Esta circunstância indica, segundo o fabricante, que poderei armazenar nada menos que dez mil canções neste singelo objecto de electrónica de consumo que ameaça distinguir os cidadãos em duas classes essenciais: os que têm e os que ainda não têm. Por que motivo um melómano incorrigível adquire uma coisa destas? É fácil de explicar. Desde há muito tempo que sonho com a estação de rádio perfeita. Aquela que transmitiria exactamente a música que mais gosto de ouvir. Sem interrupções mas fornecendo a possibilidade de saber, em cada momento, aquilo que “está a dar”.
Ora, através de um simples iPod – e devo avisar que não ganho nada com a publicidade – podemos importar os nossos CD favoritos para a maquineta e depois escutá-los em modo “shuffle”. Isto é, nunca sabemos qual a canção que virá a seguir, mas uma vez que escolhemos os discos que estão na memória do iPod temos a certeza de que vamos gostar. É a teoria do caos aplicada à música. Já imaginaram escutar “Dancing with the Moonlit Knight”, dos Genesis, seguido de “Cathedral”, dos CSN, tudo precedido de “Moondance”, de Van Morrison, ou de “Riders on the Storm”, dos Doors? É o paraíso, posso assegurar por experiência própria.
Acresce a tudo isto que, precisamente ontem, a loja portuguesa associada ao iTunes entrou em actividade. O catálogo é curto mas a coisa funciona. Para estrear a minha relação comercial com este novo estabelecimento que certamente vai ajudar à minha ruína financeira, decidi comprar a nova versão de “Good Vibrations”, incluída no álbum “Smile”, assinado por Brian Wilson. Correu tudo bem. O “download” fez-se sem problemas e a qualidade sonora é mais do que satisfatória. Ainda por cima, o mentor dos Beach Boys canta como se ainda estivéssemos nos anos 60 e como se o tempo fosse um elemento descartável através da mera força de vontade.
E pronto. Está explicado por que motivo o AiFai tem tido tão escassa actividade nos últimos dias. É que tanto eu como o paul temos passado uma boa parte do tempo a importar canções das nossas colecções de CD para o computador com o objectivo de as transferirmos, posteriormente, para o iPod. Uma tarefa exigente mas altamente compensadora.

musicaepoucomais@yahoo.com

19.10.04

“The Evening of My Best Day”

Há uns bons anos atrás, depois de ter informado um amigo que tinha acabado de adquirir o álbum “Pirates”, de Rickie Lee Jones, recebi em resposta a “notícia” de que a intérprete e compositora tinha morrido. Fiquei surpreendido com o “facto” e lamentei que assim fosse porque já na altura eu era um admirador da sua música. Afinal de contas, vim a descobrir mais tarde que tudo não tinha passado de um rumor e, tal como sucedeu com um boato semelhante ocorrido em vida do escritor Mark Twain, a notícia sobre a morte de Rickie Lee Jones revelou-se algo exagerada.
Vem isto a propósito do mais recente disco de Jones, “The Evening of my Best Day”, um daqueles trabalhos que mostra como a maturidade e o talento são parceiros capazes de dar origem às mais fascinantes criações. Para mim, o espanto ao escutar este disco pela primeira vez foi enorme, sobretudo porque tinha interrompido o contacto com a produção de Rickie Lee Jones por altura da edição de “Traffic From Paradise”, lançado em 1993, um CD que embora inclua alguns momentos dignos da qualidade dos seus trabalhos anteriores não me deixou grandes recordações.
“The Evening of My Best Day” é um belíssimo portfolio de canções bem americanas, no sentido em que misturam um pouco de tudo o que são as tradições musicais por aquelas bandas, desde o jazz à country e à folk, sem esquecer, naturalmente, o rock e o rythm & blues. E ainda há espaço para um aroma brasileiro. A produção é impecável, a voz de Jones está em grande forma e os temas, por detrás da sua simplicidade, escondem um apurado esforço colocado na composição. Não é fácil escolher faixas que possam, numa audição rápida, esclarecer tudo o que de bom se pode encontrar neste CD. Mas, para uma primeira abordagem, escutem-se “Ugly Man”, “Second Chance”, “Little Mysteries”, “Tell Somebody” ou “A Tree in Allenford”, com a certeza de que o resto é tão bom quanto estas faixas ou, sabe-se lá, ainda melhor.

musicaepoucomais@yahoo.com

15.10.04

Brad Mehldau ao vivo no Village Vanguard

Fruto de pressões várias por parte da administração do AiFai (públicas e privadas) passo a descrever, com o detalhe que se impõe, a actuação a que assisti no Village Vanguard do pianista mais frequentemente mencionado neste blog: Brad Mehldau.
Não sendo um especialista em jazz (e a bem dizer, nem em nenhum outro estilo musical...), e com um historial de concertos do género que se contam com os dedos de uma mão, é escusado acrescentar que foi a primeira vez que pus os pés no famoso clube nova-iorquino.
Para quem não conhece, o local é uma pequena cave em Greenwich Village, ao estilo abrigo nuclear, à qual se acede por umas escadinhas escuras e inclinadas. À semelhança de todos os outros sítios que visitei em Manhattan não se fuma no interior do Village. Confesso que não é uma medida que me desagrade uma vez que não padeço do vício do tabaco. Não obstante, a imagem que trazia no subconsciente era a de uma atmosfera nebulosa onde o fumo limitava a visibilidade aos cinquenta centímetros, pelo que não deixou de ser uma surpresa. Uma tabuleta na parede indica que a lotação máxima é de 123 pessoas, todas sentadas em redor de umas mesinhas. Não imagino bem como é que lá cabem tantas mas a verdade é que ninguém se pode queixar que ficou longe do palco ou que não ouvia bem.
Enquanto esperava para entrar (debaixo de uma chuva diluviana, ainda efeito dos furacões na Flórida) fui discretamente ouvindo a conversa de uns companheiros de fila, aparentemente frequentadores habituais da casa e fãs do Mehldau. A fazer fé nesta fonte, parece que o pianista mantém há vários anos a tradição de fazer alguns dias no Village Vanguard.
Brad Mehldau apresentou-se com os seus companheiros habituais, Larry Grenadier no contrabaixo e Jorge Rossy na bateria, e com a participação extra de Mark Turner nos saxofones tenor e soprano. Numa postura tranquila, ainda que algo séria e “profissional”, o pianista foi o cicerone. A comunicação verbal com o público restringiu-se ao essencial: dizer boa noite, apresentar os músicos da banda, as músicas e fazer uma piadola. Sem prejuízo de ter vários discos do Mehldau nas prateleiras, já me tinham avisado que a probabilidade de eu reconhecer alguma das músicas do "set" ia ser bastante reduzida. Assim foi: das seis ou sete canções da noite apenas identifiquei “West Hartford” (ou assim me pareceu) do álbum “Places”. As restantes foram apresentadas como composições “do meu amigo...” ou faixas recentes e ainda por baptizar.
Quanto à música, que é o que mais interessa, foi fantástica. O trio apresentou-se em grande forma, numa sintonia que lhes permitia divagar em direcções aparentemente distintas mas encontrando sempre encruzilhadas onde se voltavam a reunir. Brad Mehldau é um virtuoso, isso já sabia, ainda assim não deixou de me surpreender no concerto. Todavia, a maior surpresa foi ver e ouvir com atenção a secção rítmica. A clareza do baixo e da bateria - e a inspiração de ambos os músicos - fez-me rever (em baixa) o conceito que tinha sobre a qualidade da minha aparelhagem. Já Mark Turner, cuja obra não conheço de todo, não me convenceu. Correndo o risco de estar a dizer alguma selvajaria, achei os solos do saxofonista um pouco cansativos. Se calhar não estava inspirado. Afinal, aquela era já a segunda sessão da noite.
No final da última música, Mehldau voltou a apresentar os músicos e a promover o trio Fly que aqueles formam sem a sua presença. Disse “boa noite” e assim se acabou um serão agradável. Eu e a minha companhia, armados em nova-iorquinos, desatámos a correr pelas escadas acima para disputar um táxi.

14.10.04

António Sérgio, parte II

A pretexto do radialista António Sérgio, José escreveu este comentário:

"Foi nos programas dele que acompanhei o punk mais desbragado dos Stranglers; dos Undertones com Jimmy Jimmy e a voz flausina de Feargal Sharkey; dos Clash; dos primeiros passos de Elvis Costello que até aí só via no Melody Maker a retorcer o casaco comprido demais, numa imitação pífia do verdadeiro artista e que acompanhei a efémera fama do ska dos Specials e ouvi One Step Beyond dos Madness, nas tardes de rock na rádio e de estudo a acompanhar."

Sobre os Stranglers, e assim à queima-roupa, vem-me à memória o poderoso som do baixo de Hugh Cornwall em temas como "No More Heroes" e "Peaches". E álbuns inesquecíveis como "The Raven". Uma curta volta pelos arquivos faz emergir, também, as canções "Teenage Kicks", "My Cousin Kevin" e "It's Gonna Happen", todas dos Undertones. Sobre o Elvis Costello, uma busca rápida encontra "Watching the Detectives". No capítulo do ska, os Specials divertiam-se com "A Message to You Rudy", enquanto os Madness atacavam com "Night Boat to Cairo" e "My Girl". Quanto aos Clash, faz agora 25 anos que se impuseram com "London Calling", "Spanish Bombs" e o R&B perfeito de "Train in Vain". Aqui está pano para mangas, a merecer umas sessões de corte e costura em próximos "posts". Obrigado pela lembrança.

Rótulos e preconceitos

BabysOnFire escreveu o seguinte, num comentário ao "post" sobre Electrónica:

"Também acho injusto e mesmo redutor remeter a secção Electronica para a secção "onde os fãs do "tunning" vão buscar aqueles CD que possibilitam fazer as provas do fogo aos "woofers" instalados nas máquinas artilhadas". Não me parece que os tunners vão muito à bola com Kraftwerk, por exemplo, mas posso estar errado... :-)Passe o exagero, o mesmo seria dizer que o jazz é a zona onde as tias e donas de casa vão buscar CDs da Diana Krall para preencher o vazio da sala de estar, e que o rock é a zona de adolescentes insurrectos e com mau gosto..."

É também tudo isso, apesar de não ser apenas isso. Ou seja: na zona de electrónica podem encontrar-se cromos do "tunning" embora não sejam os únicos que por lá param; na zona do jazz é possível detectar tias em busca das novidades da Diana Krall e da Norah Jones mas estão longe de ficar solitárias junto aos escaparates em causa; e na zona do pop/rock haverá "adolescentes insurrectos e com mau gosto" a par de outros mais conservadores e cujo gosto poderá ser bom ou mau, consoante o ponto de vista. Em suma, os rótulos valem o que valem. E os preconceitos também.

13.10.04

Paul ao vivo no Village Vanguard

Tenham calma. Este “post” não se destina a relatar qualquer concerto do Paul McCartney no Village Vanguard, em Nova Iorque. Trata-se apenas de um “teaser” que pretende chamar a atenção para o texto que o paul, ilustre co-fundador e colaborador deste blog, vai em breve colocar “online” descrevendo a sua experiência recente naquele clube de jazz nova-iorquino. E o que tem de especial esta circunstância? É muito simples. Apesar de ser um virtuoso fã da guitarra, o paul não perdeu a oportunidade de, numas curtas férias na cidade em apreço, ir escutar o Brad Mehldau, grande feiticeiro do piano, no lendário Village.
O texto está a ser preparado há alguns dias, como se espera de um escriba para quem a perfeição é o mínimo que se exige. Por mim, confesso que, por causa deste “post” que ainda o há-de ser, ando a salivar como um cão de Pavlov já há tempo suficiente para começar a perder a esperança. Mas compreendo que, tendo um iPod novinho em folha e outros “gadgets” inconfessáveis para explorar, o paul tenha tido, nos últimos dias, mais que fazer do que contar-nos as suas aventuras com Mehldau na cidade que nunca dorme.

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A alquimia dos Dire Straits, parte III

Ainda a respeito dos Dire Straits, José deixou o seguinte comentário:

"O disco que me arrebatou os ouvidos foi Communiqué, de 1979. É, obviamente para mim, um disco melhor que o primeiro e talvez o melhor da banda."

Não consigo decidir qual dos dois primeiros álbuns dos Dire Straits é o melhor. Gosto do som cru do disco de estreia mas confesso que o "Communiqué" sempre exerceu, também, um grande fascínio junto dos meus ouvidos. Não tanto pelo tema "Lady Writter", de que nunca escutei a versão ao vivo que é referida no comentário, mas porque as guitarras estão melhor do que nunca, com um som límpido e cristalino, fornecendo uma sofisticação e elegância que não fazem parte dos atributos do primeiro disco da banda de Mark Knopfler.
O dedilhado na entrada do tema "News" é arrasador e lembro-me de ouvir esse tema vezes sem conta. "Portobelle Belle" e "Single Handed Sailor" são canções de primeira água. E o remate do álbum, através de "Follow Me Home", é daqueles que me fez perceber a utilidade de ter, no leitor de CD, a função "repeat".
Aproveitando a sugestão deixada pelo José, acho que vou levar para o carro o "Communiqué", um excelente antídoto para o "stress" do trânsito. Com a convicção de que, se não for o melhor dos Dire Straits, este álbum está, pelo menos, entre os seus dois melhores.

A alquimia dos Dire Straits, parte II

Afirma dermot a propósito dos Dire Straits:

"Os Dire Straits foram a minha primeira banda de eleição e Mark Knopfler foi o meu primeiro ícone da guitarra. Confesso que foi Money For Nothing o primeiro álbum que comprei, para só anos mais tarde, redescobrir os de originais. Mas foi a minha primeira paixão musical. E a primeira paixão nunca se esquece."

Não há amor como o primeiro, costuma dizer-se. E uma colectânea, como "Money for Nothing", tem esse interesse de servir de aperitivo que abre a expectativa em relação aos pratos principais. Acho que o melhor de Mark Knopfler, enquanto guitarrista e compositor, está nos primeiros álbuns dos Dire Straits. O solo do tema "Brothers in Arms" não me desgosta. Mas nessa altura já o guitarrista tinha trocado a velha Stratocaster por uma Gibson. O que, para mim, faz toda a diferença.

António Sérgio

Pergunta José, a propósito dos Dire Straits:

"Que é feito do António Sérgio?!
Não quererá ele rememorar esses tempos, em que passava esses discos e outros, como o Double Dose dos Hot Tuna que comprei há dois anos em Atenas, na feira de Monastiraki e que me transportou, sonoramente, 20 e tal anos atrás?!
A nostalgia musical não é nada sem esses tipos!"


A última vez que soube desta personagem histórica da rádio portuguesa foi através de uma coluna semanal que o António Sérgio assinava no jornal "O Independente". Julgo que faz, actualmente, um programa numa estação de menor êxito comercial, dedicando-se a fazer aquilo que sempre fez: revelar talentos que não têm espaço nos alinhamentos óbvios das rádios de maior audiência. A ele devo a minha paixão pelos The Stranglers e a relutància em relação aos ambientes mais pesados que constituiam o prato forte do "Lança Chamas". Se ele um dia destes tropeçar no AiFai talvez tome a iniciativa de nos dizer o que anda a fazer por estes dias. Tenhamos esperança.

11.10.04

Um filme que faz sentido

Na edição original, o álbum "Stop Making Sense", dos Talking Heads, era uma modesta colectânea de algumas das canções que a banda de David Byrne interpretava durante o filme com o mesmo título. As capacidades dos 33 rotações eram limitadas e os apreciadores viam-se constrangidos a escutar apenas uma parcela daquilo que, na altura, só o visionamento da película proporcionava na íntegra. Uma das grandes vantagens da era digital está precisamente no facto de contornar este problema da escassez de espaço, apesar de, na face menos positiva, implicar frequentemente a inclusão nos discos de "extra tracks" que, pelo seu questionável interesse, mais valia nunca terem saído dos arquivos.
No caso das edições em CD e DVD de "Stop Making Sense" só se vislumbram os pontos positivos. O "compacto" inclui, hoje em dia, a totalidade dos temas que os Talking Heads interpretavam no filme. E quem pretenda apreciar a prestação ao vivo da banda só tem de abrir os cordões à bolsa numa loja da especialidade e correr para casa em direcção ao leitor de DVD para poder desfrutar de tudo, sem amputações de qualquer espécie. Acresce que há ainda a possibilidade de escutar duas faixas que ficaram de fora do alinhamento original do filme e que, neste caso, bem merecem ter visto a luz do dia.
"Stop Making Sense" mostra os Talking Heads no auge da sua carreira, entre a edição dos álbuns "Speaking in Tongues" e "Little Creatures", numa época de transição da electrónica para o retorno ao rock e às raízes americanas. Do minimalismo de "Psycho Killer", com Byrne a sós em palco com uma guitarra acústica e um velho gravador de cassetes, ao romantismo de "Heaven", percorrendo temas inesquecíveis como "Thank You for Sending Me an Angel", "Burning Down the House", "Naive Melody" e "Once in a Lifetime", o DVD passa em revista a evolução de uma banda que desbravou caminhos novos e que permanece inimitável.
Como elementos atractivos adicionais, "Stop Making Sense" testemunha o humor e a demência histriónica de David Byrne, havendo ainda oportunidade para escutar a ingenuidade deliberada de "Genius of Love", dos Tom Tom Club , faixa interpretada por Tina Weymouth e Chris Frantz. Devo dizer que este é um daqueles DVD que se deve ver e escutar com a aparelhagem de goelas abertas. Desde que os vizinhos assim o permitam. Não é o meu caso, infelizmente...

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A alquimia dos Dire Straits

Alguns anos antes de "Brothers in Arms" transformar definitivamente os Dire Straits numa banda de estádio, o "blues-rock" protagonizado pelas Fender Stratocaster dos irmãos Knopfler foi um fenómeno de saudável revivalismo que ajudou a "geração de 70" a reconciliar-se com as novas tendências que emergiram da "new wave". O primeiro disco de originais estava recheado de temas que partiam da melancolia tranquila de JJ Cale para desenvolverem um som fortemente personalizado e que assinalava o regresso ao som primordial do rock'n'roll, assente nas guitarras, baixo e bateria, repudiando a plastificação que iria tomar conta de dezenas de bandas nos anos 80.
"Sultans of Swing" deu aos Dire Straits o grande empurrão para se colocarem sob os holofotes da fama. No programa "Rock em Stock", da Rádio Comercial, a canção era um dos pratos fortes, mas a insistência na divulgação do "single" acabava por votar à ignorância outras faixas igualmente apelativas que ajudavam a fazer do disco de estreia da banda um fenómeno a não desprezar. Conheci o resto do álbum através de uma cópia que me foi emprestada por uma "mão amiga" que, embora difícil de catalogar como melómana, andava, pelos finais da década de 70, com uma tendência invulgar para consumir música.
Foi desta forma que me apercebi que "Sultans of Swing" estava longe de arrumar os Dire Straits na vasta legião de bandas que a crítica inglesa costuma apelidar de "one hit wonder". "Down to the Waterline", que abria as hostilidades, "Water of Love", com a sua deliciosa "slide guitar", "Setting Me Up" e "Southbound Again", que recuperavam o rock de cores sulistas, e "Wild West End", uma balada irresistível à custa da melancolia das guitarras acústicas, faziam do disco uma das boas surpresas daquele ano de 1978, quando o "punk" já exalava os seus últimos suspiros para descanso dos tímpanos mais sensíveis. Tudo isto era embrulhado numa capa que, sem favor, pode ainda hoje em dia integrar o que de melhor se fez, desde sempre, em matéria de design gráfico para este fim específico.
Os Dire Straits prosseguiriam no bom caminho nos dois álbums seguintes, "Communiqué" e "Making Movies". Mas a magia inicial foi-se perdendo à medida que a produção foi ficando mais polida, asfixiando a autenticidade original das guitarras que iam colher inspiração em Cale e nos Shadows. Recordo-me de, já nos anos 90, ter visto os Dire Straits no concerto que deram em Lisboa, no Estádio de Alvalade. Uma seca arquitectada pelos solos intermináveis de Mark Knopfler que provocavam uma incontornável sonolência e suspiros de saudade sobre os velhos tempos em que a banda dava os primeiros passos. Não deixa de ser curioso que a banda tenha intitulado "Alchemy" o seu duplo ao vivo. É um estrondoso equívoco porque a verdadeira alquimia dos Dire Straits só é detectável nos seus primeiros disco de estúdio.

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7.10.04

Electrónica, ou lá o que é...

Nos vinhos, como nos discos, os rótulos valem o que valem. Trata-se apenas de uma questão de organização e arquivamento que nos permitem comunicar melhor sobre o que está no seu interior. Mas não contam praticamente para nada quando se trata de escutar - ou provar - com o objectivo de se saber se determinada música nos agrada ou não. A proliferação de géneros a que se foi assistindo nos últimos anos é, até, algo que lança alguma confusão. Há termos que hoje são aplicados a certos tipos de música e que, talvez por ignorância minha, não me ajudam em nada a distinguir o que quer que seja. House, trance, hip-hop, dance - e por aí fora - serão bons pretextos para debates estimulantes entre peritos nestas matérias mas pouco adiantam sobre a qualidade do que se ouve, sobretudo quando se visa escutar sem ideias pré-concebidas.
Vem tudo isto a propósito da fusão de estilos que vai dando lugar à edição de música que habitualmente, e à falta de melhor, é arrumada sob a abrangente expressão "electrónica". Nos escaparates das lojas que ostentam aquela chancela escondem-se trabalhos diversificados e muitos deles interessantes que, entre o que se fez e faz por esse Mundo fora, reúnem de tudo um pouco. Foi nessa zona, onde os fãs do "tunning" vão buscar aqueles CD que possibilitam fazer as provas do fogo aos "woofers" instalados nas máquinas artilhadas, que descobri já alguns discos merecedores de atenção. A mais recente surpresa veio de uma pequena editora nórdica, a DNM, cujo site na web, apesar de temporário, vale a pena visitar. O autor do CD dá pelo nome de Hird e o álbum tem como título "Moving On".
É uma colecção de temas descontraídos que, de acordo com alguns textos publicados naquele endereço da internet, se adequa ao Outono em que acabámos de entrar. Eu acrescentaria que o disco pode ser bom em qualquer estação do ano, combinando piano eléctrico e percussões que incitam à dança mas sem se imporem às suaves sonoridades que vão construindo a atmosfera de fim-de-tarde que a música inspira. Como não sei dizer exactamente de que género de música se trata, recomendo que se recostem no sofá lá de casa e a escutem. À falta de outros rótulos, chamemos-lhe electrónica. Ou lá o que é...

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