31.8.04

Hum, hum, hum...

Ouçam o tema 8 do CD "Tres Hombres", dos ZZ Top, e vão perceber que não há nada de criptográfico neste "post". E agora dêem-me licença porque accionei a função "repeat" no leitor e não quero perder a entrada do tema em causa. Hum, hum, hum...

musicaepoucomais@yahoo.com

30.8.04

Earls Court, Maio de 1993

No corredor do metropolitano que conduz a Earls Court, no sudoeste de Londres, compram e vendem-se bilhetes de última hora. O ambiente não difere daquele que costuma rodear os grandes eventos do "rock". No exterior do vasto pavilhão, acumula-se uma multidão que pretende testemunhar o concerto de encerramento da digressão europeia de Peter Gabriel, destinada a promover o álbum "Us".
Alguns portugueses vão sendo desmascarados entre a massa de fãs do antigo líder dos Genesis. Quase todos decidiram fazer um fim-de-semana prolongado na capital britânica, nesse início de Maio de 1993. E experimentam a expectativa de voltar a ver, ao vivo, um dos seus músicos preferidos.
O disco que servia de pretexto para a "tournée" não era uma obra-prima. Nem sequer estava ancorado nalgum êxito de entre os raros que Gabriel produziu ao longo da sua carreira a solo. Mas quem já conhecia o percurso da personagem tinha todas as razões para esperar duas horas estimulantes e uma boa recordação para a vida. E assim foi.
A produção era perfeita e revelava a elevada criatividade, o cuidado e o profissionalismo aplicados por Peter Gabriel na encenação de cada um dos temas. Ao vivo, as canções de "Us" ganhavam uma dimensão e um vigor que não evidenciavam no disco.
Peter estava em forma. Com a sua poderosa voz, funcionou como a locomotiva de todo o espectáculo, não se poupando a esforços para terminar em apoteose uma longa digressão que, para não variar, ignorou a possibilidade de uma escala em Portugal. Os músicos que o acompanhavam empenharam-se com alegria na tarefa. Tony Levin, no baixo, Manu Katché, na bateria, e Paula Cole, na voz secundária, destacaram-se, bem servidos pela óptima qualidade do som e da acústica do pavilhão de Earls Court.
Algum tempo depois de ter assistido a este concerto, um amigo ofereceu-me o VHS com uma actuação gravada em Itália, durante a mesma digressão. Tive a oportunidade, então, de voltar a ver e escutar os temas que faziam parte do alinhamento escolhido por Gabriel. "Steam", "Kiss That Frog", "Secret World", "In Your Eyes", "Sledgehammer" e o inevitável "Solsbury Hill" integram esse vídeo abrasador que, entretanto, já foi editado em versão DVD. É uma peça que deve fazer parte do espólio dos apreciadores de Gabriel e, no que me toca, só tenho pena que não esteja também disponível no mercado um registo integral ao vivo de "The Lamb Lies Down on Broadway" para lhe fazer companhia na colecção. Porque não quem não viu os Genesis, com Peter Gabriel, ao vivo em Cascais, em 1975, pode ficar seguro de que perdeu algo de extraordinário. E irrepetível.

musicaepoucomais@yahoo.com

29.8.04

Da Holanda, com "Radar Love"

Era, na sua versão longa, o tema de abertura do álbum "Moontan". Mas a primeira vez que o ouvi foi no formato de 45 rotações. Estava-se no Verão, os Golden Earring eram um nome estranho para a maioria dos apreciadores de rock mas o single que tinha "Radar Love" no lado A ia mudar o estado de coisas em relação àquela banda holandesa.
Do país das tulipas já tinham chegado a Portugal os sons dos Focus. Mas os Golden Earring, que após diversas experiências tinham decidido apostar num "hard-rock" pujante que lhes valeu a possibilidade de efectuarem uma digressão com os The Who como banda de suporte, iam competir com o grupo de Jan Akkerman, pelo menos no terreno do "ranking" das mais famosas bandas provenientes dos países baixos.
"Radar Love" anunciava-se através de uma sequência de acordes que, sem escândalo, até poderia ter sido colocada no final da faixa. Depois, o baixo e bateria davam o sinal de arranque inspirado nuns "blues" em ritmo acelerado, sobre os quais a guitarra e a voz dialogavam ao despique. O refrão evoluia em crescendo e, após a segunda repetição, a bateria tomava conta do cenário, com uma batida forte que, na versão do LP, só surgia após uma parte instrumental preenchida por curtos "riffs" e solos de guitarra.
Não era fácil encontrar o single em causa que, na face B, tinha uma balada intitulada "Song is Over". Mas o meu fiel leitor de cassetes resolveu o problema, enquanto não encontrei alguém que me emprestasse o álbum que tinha a versão "para adultos". Sei que os Golden Earring desfrutaram de elevado sucesso na Europa e sobretudo nos Estados Unidos até ao início dos anos 80. Mas confesso que, além dos temas incluidos em "Moontan" e dos que integram uma colectânea que adquiri, em CD, há alguns anos - apenas por causa de "Radar Love" - não conheço mais nada daquilo que produziram ao longo de uma carreira discográfica que mediou entre 1965 e 1985. Não sei se perco muito ou pouco por isso. Tenho apenas a certeza de que passar ao lado de "Radar Love" teria sido uma falha assinalável.

musicaepoucomais@yahoo.com

28.8.04

"Riffs" de cortar a respiração 2

Seguem mais dez aberturas de reconhecimento imediato. A lista não respeita qualquer tipo de ordem.

1 - “Sweet Home Alabama” – Lynyrd Skynyrd (“Second Helping”)

2 - “The Fly” – U2 – (“Achtung Baby”)

3 - “Sunshine of Your Love” – Cream (“Disraeli Gears”)

4 - “Purple Haze” – Jimi Hendrix (“Are You Experienced?”)

5 - “Children of the Revolution” – T.Rex (“Tanx – Extended Play”)

6 - “Ziggy Stardust” – David Bowie (“Ziggy Stardust”)

7 - “Roadhouse Blues” – The Doors (“Morrisson Hotel”)

8 - “Anarchy in UK” - The Sex Pistols (“Never Mind the Bollocks Here’s the Sex Pistols”)

9 - “Jumpin' Jack Flash” – The Rolling Stones (“Through the Past, Darkly - Big Hits, Vol. 2”)

10 - “Scuttle Buttin'” – Stevie Ray Vaughan (“Couldn't Stand the Weather”)

Adam Smith e os Led Zeppelin

Já eu andava a recolher os benefícios da livre troca quando ainda não tinha idade para saber quem era Adam Smith. Para mim, mal entrado na adolescência, o nome do "pai da economia" tinha apenas uma vaga relação com as Chiclete's, fabricadas pela Adams, enquanto Smith me fazia lembrar um inglês que de vez em quando frequentava a casa dos meus pais. Para a ideia que eu tinha de um genuino cidadão britânico, devo dizer que a personagem em causa me deixava sistematicamente desiludido. Nem se enfrascava em cerveja, nem tinha qualquer graça, ao contrário do que sucedia com os Monty Python.
Certo é que o maior marrão da minha turma decidiu um dia, ainda hoje não sei por que razão, vender uma boa parte dos 33 rotações que tinha esforçadamente coleccionado em parceria com o irmão mais velho. Na sua figura descuidada, a puxar para o gordinho e dono de uns cadernos de apontamentos dignos de um anarco-sindicalista, perguntou-me se eu estava interessado nalgum dos LP em saldos. Pedi-lhe uma lista detalhada, que me foi entregue num papel demasiado frágil para resistir às frequentes passagens de uma borracha azul-macaco de fabricação lusitana, e fui para casa pensar no assunto.
Havia velhos - já na altura - discos dos Pink Floyd, umas coisas dos Emerson, Lake and Palmer e uma edição original do "Stand Up", dos Jethro Tull, que ainda hoje me faz crescer orelhas de burro pelo facto de não a ter arrematado. Consciente de que não havia recursos financeiros para me candidatar a mais do que um álbum, lá acabei por optar pelo "Houses of the Holly", dos Led Zeppelin. O disco ainda gozava do estatuto de novidade e o preço solicitado em troca do direito de propriedade sobre o objecto em causa era razoavelmente honesto.
Pedi o álbum de empréstimo - não há como aprender bem cedo que é melhor experimentar o estado da mercadoria antes de a adquirir - e pude constatar que tudo estava em ordem. A capa, um pouco causticada à semellhança dos livros de estudo da inefável figura, ainda valeu um pequeno desconto, longamente regateado. Mas lá comerciámos a coisa e, feito o negócio, passei à fase do desfrute.
Em comparação com a edição anterior da banda de Robert Plant e Jimmy Page, "Houses of the Holly" parecia ter menos força como álbum de rock. Não havia sombra de "Black Dog", nem de "Rock and Roll" ou, sequer, de algo que se parecesse com "Stairway To Heaven". Mas o arranque demolidor das guitarras em "The Song Remains the Same" dava-me a volta à cabeça enquanto derretia a paciência dos vizinhos. Só depois de ter gasto a agulha do pobre gira-discos com a audição deste tema, decidi passar à frente. Foi então que descobri o resto, isto é, "The Rain Song", "Over the Hills and Far Away", "No Quarter" e aquele fantástico "riff" que abre as hostilidades em "The Ocean".
Uns tempos depois de ter comprado o álbum, o respectivo vendedor chegou a confessar-me estar um pouco arrependido de ter feito a transacção, tal era a quantidade de encómios que eu dirigia ao disco. É a vida. Ainda hoje, esse exemplar do "Houses of the Holly" se mantém como parte integrante da minha colecção de vinil. Tem tido ultimamente pouco serviço porque entretanto já o substitui pela versão em CD. Mas isso não faz de mim um ingrato. Mil obrigados para o Adam Smith e o "leiloeiro" pelas boas horas de êxtase que me proporcionaram, numa altura em que comprar um LP novinho em folha era comparável a conseguir desencantar dinheiro para ir passar 15 dias às Maldivas.

musicaepoucomais@yahoo.com

27.8.04

Saldos na Blue Note

A etiqueta Blue Note decidiu fazer saldos das suas novas reedições integradas na série Rudy Van Gelder. Esta é a boa notícia. A má é que a iniciativa termina já no final deste mês. Entre os novos lançamentos encontram-se "Free for All", de Art Blakey, "In'n'Out", de Joe Henderson, "Destination Out", de Jackie McLean, "One Flight Up", de Dexter Gordon, "Blue Spirits", de Freddie Hubbard, e ainda "Tender Moments", de McCoy Tyner.
Os discos estão a ser vendidos por 9,98 dólares, isto é, cerca de 8,23 euros ao câmbio de ontem. O preço é atraente. Resta saber se o custo dos transportes não anula o desconto. Quem estiver interessado pode consultar as respectivas tabelas de preços também no "site" da Blue Note. No conjunto deste catálogo específico são 19 os CD que estão a preço especial.

musicaepoucomais@yahoo.com

Saibam tudo sobre os “Prémios Motosserra”!

O prometido é devido. E, sendo assim, é com enorme orgulho que o AiFai anuncia a primeira edição dos fabulosos “Prémios Motosserra”. O objectivo é simples. Pretende-se homenagear aquelas bandas e solistas que, agora como outrora, se esforçaram por darem um insofismável contributo para a preservação do mau gosto, sem o qual o seu oposto, que nos dá muitas alegrias, provavelmente não existiria.
O regulamento, para já, tem pouco que saber. O universo de candidatos é o que se quiser e depende apenas da memória e da imaginação. Os leitores deste blogue são convidados a dar sugestões de temas daquele género que, de cada vez que são escutados, provocam uma vontade quase irresistível de desfazer os altifalantes em fanicos, de preferência com alguma ferramenta altamente fiável. Uma motosserra, por exemplo.
Uma vez encontrado um número razoável de canções, o alto júri do AiFai reunir-se-á, em conselho magno, para acrescentar as suas sugestões e, finalmente, escolher as dez que, em cada mês, serão justamente laureadas. A lista e respectivos comentários serão publicados no AiFai algures no início de cada mês, mais coisa menos coisa.
Admitem-se, ainda, dois outros tipos de distinções. Por um lado, as “Menções Horrorosas”, destinadas a temas que, embora impedidos de figurar na classificação principal devido aos exigentes critérios de selecção do meretíssimo júri, não devam ser ignoradas. Queremos ser justos e que ninguém possa afirmar que ficou sem a sua motoserra.
Por fim, haverá a possibilidade de atribuir prémios de carreira. Na edição experimental, cujos resultados podem ser consultados nos arquivos do AiFai, os louros foram para o rei Elvis, não só pelas suas canções mas também pelos fantásticos fatinhos de corista de Las Vegas. Pela sua nobreza, este prémio poderá vir a ser objecto do alto patrocínio dos berbequins blecandeca. As negociações estão já em curso.
Dito isto, mãos à obra. Que é como quem diz, deixem aqui no AiFai as vossas augustas sugestões até à próxima quarta-feira, 1 de Setembro. O resto, incluindo a possibilidade de futuramente se organizar uma grande noite de galo com a presença dos agraciados, fica por nossa conta. E que não vos doam as mãos.

musicaepoucomais@yahoo.com

Em busca do Graal

A propósito do livro da moda, "O Código Da Vinci", de Dan Brown, segue-se uma lista de dez temas candidatos a arquétipos da pop/rock. São canções desataviadas e de adesão espontânea. Tal como na incessante busca do Graal, milhares de bandas esforçam-se, há décadas, por conseguir atingir esse nível de síntese e eficiência. Algumas conseguiram-no.

1 - "Good Vibrations" - The Beach Boys - Está na lista porque seria um sacrilégio não a incluir. Há quem garanta a pés juntos que este tema é, ele próprio, o Graal. Opiniões.

2 - "The Boy With the Thorn on his Side" - The Smiths - A personagem que canta o tema é jactante mas tem uma bela voz. Uma das gemas extraídas da dupla Morrisey/Johnny Marr.

3 - "If She Wants Me" - Belle and Sebastian - Suaves guitarras - podem ser Stratocasters - condimentadas por um saboroso Hammond. O paraíso ronda por aqui.

4 - "Senses Working Overtime" - XTC - Um refrão poderoso que nos põe a cantarolar logo à primeira audição. E que pede doses sucessivas sem riscos de lesão por os sentidos decidirem fazer horas extraordinárias.

5 - "Jennifer She Said" - Lloyd Cole and The Comotions - Há outras deste perito a merecerem menção. Por hoje optamos por esta, em homenagem ao concerto de Cascais por altura do lançamento do álbum "Mainstream".

6 - "Fantastic Day" - Haircut One Hundred - Optimismo, bom tempo e a vida despreocupada de meia dúzia de adolescentes retardados. Podia muito bem ser o tema principal da banda sonora de uma série de animação.

7 - "Turn! Turn! Turn!" - The Byrds - Não é um original da banda mas é um dos seus hinos. Uma boa letra e uma excelente melodia, servida pela lendária Rickenbaker de 12 cordas de Roger McGuinn.

8 - "Back on the Chain Gang" - The Pretenders - Os primeiros álbuns da banda de Chrissie Hynde são material para recordar. Há por ali muita sapiência em matéria de pop e de rock que se foi perdendo nas edições mais recentes. "Don't get me wrong".

9 - "Plastic Age" - The Buggles - "Video Killed the Radio Star" deu-lhes a fama, mas esta canção é mais interessante. Os sintetizadores que forram o refrão são celestiais.

10 - "Bache, bene venies" - Philip Picket and the New London Consort - Já leva alguns séculos de vida mas mantém-se plenamente actual. Escutada no seu elemento natural, provavelmente uma estalagem da Idade Média repleta de folgazões agarrados a canecas de vinho, a canção devia ser ainda mais esmagadora.

Quem tiver outras propostas, que avance. A gerência até agradece.

musicaepoucomais@yahoo.com

"Summertime Blues", pois claro

Ora aqui está uma boa sugestão de um "riff" imortal trazida pelo José. "Summertime Blues", de Eddie Cochran. Três acordes conjugados com muito saber e está feito. A versão dos The Who em "Live at Leeds" também se recomenda. Mas o original vai direitinho ao assunto e dispensa quaisquer ornamentações. Curto, simples e eficaz. É mesmo de saltar da cadeira e chorar por mais.

musicaepoucomais@yahoo.com

26.8.04

"Riffs" de cortar a respiração

Se há segredo para se fazer de uma mera canção "rock" uma candidata à galeria da imortalidade, então os "riffs" de guitarra que servem de ataque aos temas são uma peça essencial. Quem não conhece as notas iniciais de "Satisfaction (I Can't Get No)", dos Rolling Stones, a sequência de acordes no arranque de "Smoke On The Water", dos Deep Purple, ou a malha de "Love Like a Man" que qualquer candidato a guitarrista no início dos anos 70 aprendia antes de tudo o mais e que justificou, em grande parte, a popularidade dos Ten Years After e de Alvin Lee?
Escolhidos ao acaso de um universo quase ilimitado, aqui fica uma selecção de "riffs" que ficaram para a história. A ordem é aleatória.

1 - "Brown Sugar" - The Rolling Stones ("Sticky Fingers");

2 - "Highway to Hell" - AC/DC ("Highway to Hell");

3 - "Layla" - Eric Clapton ("Layla and Other Assorted Love Songs");

4 - "Tush" - ZZ Top ("Fandango");

5 - "Day Tripper" - The Beatles ("The Beatles 1962-1966");

6 - "Whole Lotta Love" - Led Zeppelin ("Led Zeppelin II");

7 - "All of the Day and All of the Night" - The Kinks ("Kinda Kinks");

8 - "The Real Me" - The Who ("Quadrophenia");

9 - "Saturday Night's Allright For Fighting" - Elton John ("Goodbye Yellow Brick Road");

10 - "Locomotive Breath" - Jethro Tull ("Aqualung").

Aceitam-se mais sugestões. Desde que respeitem a diversidade e não sejam todas da autoria do mestre na matéria, Keith "Riff" Richards.

musicaepoucomais@yahoo.com

A mão de "El Diablo"

Se forem ao All Music Guide consultar a página sobre a discografia dos ZZ Top hão-de reparar que o álbum "Tejas" é classificado com apenas duas estrelinhas. Das duas uma: ou por aquelas bandas andam a dormir ou o responsável pela atribuição daquelas notas precisa de nos mostrar o caixote do lixo. Uma terceira hipótese é a de que, provavelmente, o crítico em causa não percebe nada da poda.
Boa parte da fama deste trio em Portugal ficou a dever-se a "La Grange", um vigoroso tema de "blues" que, juntamente com "Start Me Up", dos Rolling Stones, era um raro exemplo de faixas que conseguiam romper com o domínio do "disco-sound" e da pop plastificada nos alinhamentos que se escutavam em numerosas discotecas do início dos anos 80.
"Tejas" foi editado em 1976 e justamente celebrado pelos especialistas lusitanos como um dos melhores discos do ano. A receita era simples. Billy Gibbons executava "riiffs" de imediata apreensão na sua guitarra e quem escutava era transportado à velocidade da luz para o cenário épico da conquista do Oeste, simultaneamente embalado pela cozinha "tex-mex" praticada pela banda. Pergunto-me como é possível alguém dar apenas duas estrelas a um disco que inclui "It's Only Love", "Arrested for Driving While Blind" e, acima de tudo, "El Diablo", um tema que resume de forma eloquente o "blues-rock" de que os ZZ Top foram uma referência segura.
O mesmíssimo "site", que sem dúvida é uma base de dados de elevada utilidade, dá quatro estrelas e meia a "Never Can Say Goodbye", de Gloria Gaynor. Expliquem-me porque eu não sou capaz de perceber. Ou então anda aqui a mão de "El Diablo"...

musicaepoucomais@yahoo.com

"Free bird"

Foi uma daquelas coincidências. No dia em que um dos nossos fiéis leitores mencionou o “One more from the road” dos Lynyrd Skynyrd o carteiro tocou-me à porta para deixar uma encomenda. Lá dentro vinham vários medicamentos da assistência médica ao melómano via internet, também conhecida por Amazon. Entre eles estava precisamente o “One more from the road” e, para surpresa minha, em edição de luxo com dois CDs empacotados numa caixinha toda janota, daquelas que fazem sempre um brilharete na prateleira.
Deste disco só tinha uma música gravada numa cassete que um amigo me tinha oferecido há muitos anos atrás. Parece pouco mas eram 14 longos minutos de puro êxtase musical apresentados sob o título “Free bird”, que, soube agora, é um tributo a Duane Allman. Devo ter ouvido essa cassete dezenas ou centenas de vezes, não só o “Free bird” mas também o resto da fita que tinha outras malhas, de outros universos musicais, igualmente estupendas.
A descoberta do “One more from the road” comprovou-me que a banda sulista, então liderada pelo pé-descalço Ronnie Van Zant (que cantava sem sapatos pois dizia adorar sentir o “stage burn”) era definitivamente um conjunto de palco, o que até não é de estranhar se for verdade que chegavam a fazer 300 concertos por ano, tal como afirmava o vocalista.
Van Zant - que viria a falecer num acidente de avião em 1977, que também vitimou um dos guitarristas da banda, Steve Gaines, e a sua irmã, Cassie Gaines, que fazia parte do coro dos Skynyrd - devia ser um animal de palco. Pelo menos nestes concertos em Atlanta em 1976, que dariam origem ao disco, apresenta-se (ouve-se) em plena forma. O duo rítmico Billy Powel e Artimus Pile (baixo e bateria) também brilha, mas o meu destaque vai inteirinho para o trio de guitarristas: Allen Collins, Gary Rossington e Steve Gaines.
Duas guitarras em despique é uma festa, três guitarras pode ser tanto uma festa a dobrar como uma grande seca. Neste caso é um delírio, concretizado no solo do “Free bird”, que encerra o disco, e que provavelmente encerrava os concertos. A mudança de ritmo a meio da música introduz 8 minutos de perfeita loucura com os três guitarristas a solar uns atrás dos outros, ou por cima uns dos outros, gerando um ambiente frenético. No final todos parecem recusar-se a terminar a actuação e sucedem-se três ou quatro tentativas de encerramento até que por fim a música acaba.
Ao lado de outros mega êxitos com mais de 10 minutos, o “Free bird” estará sempre no meu top de actuações ao vivo.

musicaepoucomais@yahoo.com

Viva Rudy Van Gelder!

Rudy Van Gelder tem vindo a dedicar-se ao longo dos últimos anos a uma tarefa tão ciclópica como fundamental para a preservação da memória daquilo que de mais importante se fez no "jazz" durante a segunda metade do século passado. Pegando nos velhos registos de álbuns das décadas de 50 e 60, Van Gelder decidiu empreender, a convite da Blue Note, à sua recuperação e transposição para a moderna tecnologia digital.
As dezenas de discos envolvidos no projecto, na altura gravados com a sua decisiva contribuição como engenheiro de som, e que têm vindo a chegar ao mercado em versão "limpa" de eventuais defeitos têm uma importância histórica incontornável. Nessa colecção de gravações podem encontrar-se obras-primas de John Coltrane, Dexter Gordon, Sonny Rollins, McCoy Tyner, Art Blakey ou Herbbie Hancock. Isto para que a lista não fique excessivamente longa.
Entre as mais recentes edições cirurgicamente tratadas por Van Gelder encontra-se "Natural Soul", de Lou Donaldson. É um registo de 1962 em que o executante de saxofone alto se diverte - e nos diverte - através de sete temas abordados em tom de "soul-jazz". O balanço "bluesy" das sucessivas faixas é daqueles que nos impedem de manter os pés quietos, enquanto a guitarra de Grant Green e o orgão de John Patton vão semeando, aqui e ali, o suporte necessário para os solos de Donaldson.
Não sendo um disco "obrigatório" de entre os muitos que Rudy Van Gelder tem vindo a recuperar, "Natural Soul" é, no entanto, um regalo para os ouvidos. Um grande bem-haja para este engenheiro das obras feitas. E que obras.

musicaepoucomais@yahoo.com

P.S. - Obrigado a todos os leitores do AiFai que nos têm transmitido o seu agrado nas visitas habituais ou ocasionais que por aqui vão fazendo. Sendo este um blogue feito por dois apaixonados por música que têm gosto em aproveitarem uma parte dos seus tempos livres para virem aqui partilhar as suas experiências, o "feed-back" é tão essencial para nós como foi para Jimi Hendrix. Não hesitem em deixar comentários ou mensagens. Se há coisa que nos dá gozo é conversar sobre música. Estamos quase como cantava aquele cromo dos anos 70, candidato a um dos próximos prémios moto-serra: "music was my first love and it wil be my last"... Quando ultrapassarmos o "quase", mandem-nos internar.

25.8.04

Um trio perfeito

Os feiticeiros do estado do tempo dizem que nos próximos dias vão regressar as temperaturas elevadas. Convém, portanto, ir novamente ao guarda-roupa recuperar o fato-de-banho e a toalha de praia que se julgava estar já fora de época no Verão de 2004. Se desta vez aqueles adivinhos, falíveis como todos os mortais, tiverem razão, então abençoados sejam os que preferem guardar para Setembro os dias de merecido descanso.
Partindo do princípio que o leitor portátil de CD, ou o mais “fashionable” iPod, nunca chegaram a ser arrumados na gaveta, eis uma boa altura para se falar de alguns belíssimos discos que nos sublinham aquela alegria de viver muito específica da estação quente.
Comecemos por Nicola Conte. Produtor italiano, é um apaixonado pela “bossa nova”. Não está sozinho e é de agradecer, com sinceridade, o facto de se assumir como um apaixonado do género, apostado em fazer regressar ao nosso convívio sonoridades leves e dançantes que ficam muito bem em qualquer altura mas ainda mais quando há uma caipirinha à mão de semear.
O disco de Conte com Rosália de Souza é um achado. Chama-se “Garota Morena” e tem todos os ingredientes de um bom “cocktail” tropical. Tudo, desde os arranjos à voz da jovem cantora brasileira, está misturado nas doses certas, incluindo o facto de o surpreendente transalpino ter colocado no seu “shaker” temas originais a par de clássicos de Caetano Veloso, Baden Powell e Vinicius de Moraes.
Avancemos depois para o disco de estreia de Cibelle. Mais mandado para as ondas electrónicas “lounge”, não deixa de ser um feliz complemento para um ambiente de férias em que as conversas e o silêncio se conjugam com a naturalidade que não há grandes possibilidades de desfrutar noutras épocas do ano.
Mesmo para quem não seja um apreciador atento dos sons de inspiração brasileira, estes dois discos são essenciais. Junte-se-lhes o mais recente de Paula Morelenbaum ("Berimbaum") preenchido com velhos temas que têm, na sua totalidade, a marca de Vinicius, e eis um trio perfeito para acomodar as próximas noites – e dias – de calor. Se os feiticeiros não estiverem errados, obviamente.

musicaepoucomais@yahoo.com

Fresco como uma alface

Um esgotamento nervoso e uma úlcera no estômago, doenças atribuidas ao nervosismo com que Andy Partridge enfrentava as actuações ao vivo – aquilo que uma canção dos The Band designa como “stage fright” –, foi determinante para que, bem cedo na sua carreira, os XTC tenham anunciado a intenção de nunca mais fazer espectáculos, concentrando-se nos seus trabalhos de estúdio. Decorria 1982 e o grupo, um dos mais interessantes a surgir do turbilhão de novos nomes trazidos pela “new wave”, estava a entrar no seu sétimo ano de vida.
Os XTC deviam a sua existência a uma dupla que, com inteira justiça, tem de figurar no livro de honra das parcerias mais bem sucedidas de sempre na composição de temas pop. E apesar de o sucesso comercial ter teimado em lhes bater à porta apenas de forma esporádica, não será exagero colocá-los ao lado de nomes unanimemente consagrados como John Lennon e Paul McCartney ou Mick Jagger e Keith Richards.
Andy Partridge e Collin Moulding formaram a banda em 1976, nos arredores de Londres, e desde logo mostraram, através dos álbuns “White Music” e “Go2”, que não eram apenas mais um grupo em busca de êxito fácil, cavalgando a avidez de novidades que marcou os últimos anos da década de 70. A música inspirava-se na pop descontraída dos anos 60 e no psicadelismo mas fugia aos chavões que tantos outros exploraram sem que tenham conseguido criar algo de original.
Um dos divulgadores dos XTC em Portugal foi o “Rock em Stock”, de Luís Filipe Barros. Como talvez fosse inevitável num formato de duas horas diárias, de segunda a sexta-feira, que tinha de manter vivo o interesse de uma audiência diversificada, nem sempre aquele programa da Comercial deu a conhecer matéria verdadeiramente interessante. Não foi o caso dos XTC que, através de canções como “Making Plans For Nigel”, “Life Begins at the Hop”e “Limelight”, mereceram persistente destaque por parte do “radialista” que dava a cara pelo “Rock em Stock”.
Todas estas faixas integravam o terceiro álbum dos XTC, “Drums and Wires”, que fazia crer que finalmente Partridge e Moulding iam ser objecto do reconhecimento público que amplamente começavam a merecer. A história não se passou assim. Os XTC mantiveram-se discretamente afastados dos lugares cimeiros das listas de vendas mas, em compensação, nunca lhes foram regateados elogios por cada novo álbum publicado.
Pessoalmente tenho um carinho especial por esta banda e mantenho-me atento às suas novas edições. A música é inteligente, as soluções utilizadas nunca são as mais óbvias e o bom gosto colocado nos arranjos é irrepreensível. Podia dar muitas outras sugestões sobre discos a não perder desta fabulosa banda. Mas, por hoje, aconselho “Drums and Wires”, o álbum que me introduziu ao universo dos XTC. Apesar de ter sido editado em 1979 mantém-se fresco como um alface acabada de colher.

musicaepoucomais@yahoo.com

R.E.M.? Isto soa bem!

Hoje em dia são super-estrelas. Mas já houve um tempo que os R.E.M. estavam reservados a um grupo mais ou menos restrito de adoradores fiéis. Já nem falo dos tempos iniciais em que editaram álbuns densos como "Murmur" ou "Reckoning". Ainda antes de ganharem fama como uma das bandas mais solicitadas da pop/rock, os R.E.M. editaram "Lifes Rich Pageant", um disco que me aproximou definitivamente da banda, antes do "best-seller" "Out of Time".
Foi completamente por acaso que tropecei nesse álbum. Um dia, numa visita de rotina à discoteca Roma, em Lisboa, decidi pedir para escutar alguns 33 rotações. O "Lifes Rich Pageant" foi um deles. Embora o tema de abertura me tenha causado a impressão de que não era indicado para assimilar naquelas condições de audição, fiquei arrebatado com aquilo que se seguia. "These Days" é uma canção soberba, assim como "Fall on Me", "Cuyahoga", "Hyena", "Flowers of Guatemala", "I Believe" e "What if we Give it Away". Isto apenas para não citar o álbum todo.
Durante largos meses, este vinil foi sulcado pela agulha do meu velho prato. E só cedeu o seu merecido lugar quando, no ano seguinte, em 1987, surgiu nas lojas "Document". Nessa altura já adquiri o CD. E desta vez dediquei-me a testar a longevidade do novo suporte e do respectivo raio laser com a audição, em doses abundantes, de "Finest Worksong", "Welcome to the Occupation", "Exhuming McCarthy", "The One I Love" e, para colocar o prédio todo aos saltos, "It's The End of The World As We Know It (And I Feel Fine)". Todos estes temas estão, aliás, a merecer uns tempos de serviço no leitor do carro. Para matar as saudades.
Tenho pena, entretanto, que os DVD dos R.E.M. que até agora tive oportunidade de ver não me tenham convencido. E acho lamentável que não haja, nem em CD nem em vídeo, a inesquecível actuação da banda na série MTV Unplugged. Imperdoável.

musicaepoucomais@yahoo.com

24.8.04

Começar de novo com Brad Mehldau

Enquanto não chega a Portugal o novo disco de Brad Mehldau, gravado ao vivo em Tóquio e que inclui dois temas de Nick Drake, vale a pena passar em revista alguns dos álbuns mais ignorados da sua carreira. Em causa estão duas gravações intituladas "New York-Barcelona Crossing", volumes I e II, em que o pianista actua em quarteto, acompanhado do saxofonista Perico Sambeat, do baterista Jordi Rossy e do contrabaixista Mario Rossy.
Os dois discos foram editados em 1997 e 1998, respectivamente, mas as gravações foram efectuadas em 1993 no clube "Jamboree", na capital da Catalunha. Nessa altura, Mehldau era uma jovem promessa e não tinha sequer lançado o seu primeiro álbum como líder, o que só sucedeu em 1994 através de "When I Fall in Love". Ainda assim, quem julgue que os dois CD em análise revelam um pianista inseguro pode desde já desenganar-se.
Mehldau toma conta dos acontecimentos e, embora Sambeat seja um saxofonista a não desprezar de todo, presenteia os seus apreciadores com diversos momentos notáveis. Escute-se "Spring Can Really Hang You Up The Most", "Suchi", "Bodi" e "Just One of Those Things", no primeiro volume, e ainda "I've Told Every Little Star", "Dat There" ou "Cousin Mary", no segundo disco, e fica desfeita qualquer dúvida sobre a sólida qualidade dos primeiros passos daquele que é actualmente um dos pianistas mais venerados da cena.
Como aperitivo para o gosto que Mehldau havia de desenvolver no futuro pelo improviso sobre temas que se situam fora do universo dos "standards" norte-americanos, o primeiro volume desta pequena série inclui uma versão de "Começar de Novo", de Ivan Lins. E é disso que se trata. Mesmo quem já tenha Brad Mehldau como um valor seguro na sua colecção de discos, reescutar cada um dos seus álbuns é sempre uma experiência renovada. Como começar de novo.

musicaepoucomais@yahoo.com

Para qualquer contacto...

Os leitores do AiFai podem deixar aqui, em qualquer altura, os seus comentários. Basta "clicarem" em "comments" por baixo de cada "post" e já está.
De qualquer forma, aqui fica um endereço de e-mail, acabadinho de criar, para quem pretenda fazer alguma comunicação mais restrita: musicaepoucomais@yahoo.com
Saudações musicais!

23.8.04

Notícias do reino animal

Conheci a música de Lou Reed quando os Velvet Underground já tinham exalado o seu último suspiro. Foi num Verão em que as festas em qualquer sítio que se arranjasse apenas necessitavam de energia eléctrica disponível, um gira-discos portátil e do recurso aos singles e LP que entre amigos se conseguiam reunir. No meio dessa colecção diversificada de registos, encontrava-se o álbum ao vivo “Rock’n’Roll Animal”, de 1974, com a capa já um pouco massacrada mas com o vinil ainda em condições de ser tocado.
O meu deslumbramento pelo trabalho do sisudo nova-iorquino começou pelo tema “Rock’n’Roll”, uma das canções que empurrava toda a gente para a “pista de dança” e que servia de estimulante para cortar com aqueles ciclos de baixa que existiam em todos os eventos do género. As primeiras notas das guitarras de Dick Wagner e Steve Hunter, dois excelentes músicos que acompanharam Lou Reed durante esse período dos anos 70, faziam-nos saltar das cadeiras como se estivéssemos sentados em cima de uma mola de accionamento remoto.
O tema repetia o refrão três vezes sendo intercalados pelas intervenções de Hunter e Wagner, que arrancavam uns solos irresistíveis capazes de nos fazer esquecer magos da época como Ritchie Blackmore ou Jimmy Page. Na segunda secção do tema, os dois guitarristas embrenhavam-se num duelo em crescendo em torno de um ritmo “funky” que terminava em pleno êxtase.
De regresso das férias, um dos objectivos que persegui durante algum tempo foi o de arranjar maneira de adquirir o disco. E, com muito esforço, lá consegui. Foi aí que, no remanso do lar, me entretive horas a fio com outras faixas de “Rock’n’Roll Animal” como os clássicos “Sweet Jane” e “Heroin”. A cereja no topo do bolo era o instrumental que antecedia “Sweet Jane” e que proporcionava mais alguns minutos de solos de guitarra num diálogo indolente, sustentado pelo baixo.
“Rock’n’Roll Animal” é o álbum de Lou Reed mais virado para o “hard-rock”. Mostra o antigo elemento dos Velvet Underground rodeado de uma banda de excepção e num pico de forma que se seguiu à edição de dois álbuns indispensáveis da sua discografia, “Transformer” e “Berlin”.

22.8.04

Um domingo preguiçoso

Primeiro, regista-se a leve angústia de o dia seguinte representar o regresso ao trabalho. Depois, ficamos arrependidos de termos saltado da cama suficientemente tarde para ficarmos deprimidos pelo desperdício de umas boas horas do que ainda restava do fim-de-semana. Após o duche, com algum esforço de reequilíbrio psicológico, tudo começa a surgir melhor do que parecia. Há tempo para comer qualquer coisa, comprar jornais e regressar a casa para ligar a aparelhagem com o objectivo de gozar o dia. "Carpe Diem", como dizia Robbin Williams naquele fabuloso filme intitulado "O Clube dos Poetas Mortos".
Um passatempo agradável e terapêutico para executar num domingo preguiçoso, ajudando a eliminar a dor do confronto próximo com as realidades da vida, é o de fazer uma colectânea para, durante a semana, ir ouvindo no carro. As possibilidades são imensas. Podemos fazer os nossos próprios alinhamentos nostálgicos em CD que nos abrem as portas para a reconciliação com o Mundo, mesmo à segunda-feira de manhã.
Hoje, fiz uma colectânea que me vai dar enorme satisfação enquanto me dirijir, aos soluços no meu fiel VW, para uma reunião de trabalho. Aqui fica o alinhamento:

1 - "Dancing With The Moonlit Knight" - Genesis ("Selling England By The Pound");

2 - "Skating Away On The Thin Ice of the New Day" - Jethro Tull ("War Child");

3 - "One of Those Days in England" - Roy Harper ("Bullinamingvase");

4 - "Little Martha" - The Allman Brothers ("Eat a Peach");

5 - "Wrapped Around Your Fingers" - The Police ("Sinchronicity");

6 - "The Great Gig in the Sky" - Pink Floyd ("The Dark Side of the Moon");

7 - "New Year's Day" - U2 ("War");

8 - "Funeral for a Friend/Love Lies Bleeding" - Elton John ("Goodbye Yellow Brick Road");

9 - "Once in a Lifetime" - Talking Heads ("Remain in Light")

10 - "Rock Lobster" - The B-52's ("Play Loud");

11 - "Are You Ready to be Heartbroken?" - Lloyd Cole and The Comotions ("Rattlesnakes");

12 - "Because the Night" - Patti Smith ("Easter");

13 - "Kashmir" - Led Zeppelin ("Physical Graffitty");

14 - "Heroin" - Lou Reed ("Rock'n'Roll Animal");

15 - "This is the Sea" - The Waterboys ("This is the Sea").

E pronto. Agora resta ansiar pelo momento em que me vou enfiar no carro para desfrutar esta selecção. preparando-me para uma semana com 15 boas razões para andar bem disposto.


21.8.04

“The kids are almost alright”

Durante alguns anos, os The Who foram considerados como a melhor banda ao vivo, batendo nomes como os Rolling Stones, Pink Floyd ou David Bowie. O rock poderoso que preenchia os seus discos e espectáculos aliciava hordas de fãs vorazes, interessados em constatar as capacidades vocais de Roger Daltrey, a destreza estonteante de John Entwistle no baixo, o célebre braço-moinho-de-vento do guitarrista Peter Townshend e a loucura etílica de Keith Moon, que castigava a sua bateria com evidente prazer.
De tudo isto se pode ver um pouco no DVD “The Kids Are Alright”. O documentário, que mais se assemelha a uma colagem de diversos momentos relevantes da vida da banda, passa em revista o seu crescimento a partir dos anos sessenta até ao final da década de 70, altura em que foi editado o álbum “Who Are You”, evento quase imediatamente seguido pela morte de Moon. Como se pode calcular, o DVD em causa inclui momentos que não devem ser perdidos. Actuações em programas de televisão como a que serve de apresentação da banda e do “single” “My Generation”, assim como um conjunto de registos ao vivo que inclui “Baba O’Rilley” e “Won’t Get Fooled Again” são episódios indispensáveis.
Se um habitual consumidor da música dos The Who me perguntar se deve comprar este DVD, eu responderei que sim. Mas, ao primeiro visionamento, é inevitável reparar no irritante diletantismo dos elementos do grupo, com especial destaque para Townshend e o baterista lendário da banda. À custa destes dois protagonistas, qualquer espectador fica esclarecido sobre a imbecilidade que atacava uma boa parte das bandas de 60 e 70 de cada vez que eram desafiadas a dar uma entrevista. Pelo menos no meio televisivo.
Feito o aviso, há que dizer – com toda a frontalidade – que uma segunda tentativa já permite uma selecção criteriosa dos “capítulos” a desfrutar. E é aí que surge o maior gozo. Há material histórico a merecer uma visita atenta e que deixa margem para se concluir que, juntamente com os The Kinks, os The Who inventaram muita coisa em matéria de rythm & blues e de rock que ainda hoje é repisada por bandas que os incautos julgam ser deslumbrantemente inovadoras.
Em geral, pode dizer-se que o título do filme está correcto. Mas um olhar clínico leva à conclusão de que, para expressar aquilo que se pode ver e ouvir neste documentário, o cabeçalho do DVD deveria afirmar mais rigorosamente “The Kids Are Almost Alright”.

Alguém falou em Gentle Giant?

A propósito de um “post” sobre o “Who’s Next”, dos The Who, um leitor do Aifai confessou que “Baba O’Rilley” é o seu tema favorito do álbum. E revelou, também, que andou convencido durante algum tempo que aquela faixa seria, na realidade, dos Gentle Giant. Acontece. Após ter escutado, pela primeira vez, o “Hurricane”, de Bob Dylan, eu julguei tratar-se de um novo êxito de Steve Harley e os Cockney Rebel. Até que uma alma caridosa acabou por me indicar o caminho da luz…
Foi pena que a banda dos irmãos Shulman nunca se tenha lembrado de gravar uma versão daquele tema épico dos The Who, mas ao mesmo tempo tão primário perante a música complexa e elaborada que os Gentle Giant praticaram durante a primeira metade dos anos 70, antes de entrarem em derivas pop como a do álbum “The Missing Piece”. Os Giant são um grupo notoriamente menosprezado mas, se houvesse alguma justiça no Mundo, deveriam ser agraciados com o epíteto de génios. No mínimo. Mesmo na década em que tiveram alguma projecção, os seus apreciadores constituíam uma escassa legião de fiéis que, em vez de desistirem à primeira audição, se esforçaram por entender a música “estranha” que os Gentle Giant faziam. E o esforço, posso garanti-lo por experiência própria, foi altamente compensador.
“Three Friends”, “In a Glass House” e “Free Hand” são apenas três exemplos retirados da discografia do grupo mas que ilustram o talento da banda para criar uma música complexa e sofisticada que reunia elementos da erudita contemporânea e sonoridades medievais, numa das mais originais criações do rock progressivo. Nunca ninguém soou como eles e nomes como os Yes ou os Emerson, Lake and Palmer parecem destinados ao baile dos bombeiros ali da esquina quando comparados com o vanguardismo e a inteligência, na composição e nos arranjos, demonstrados pelos Gentle Giant.
Pela minha parte, vou nos próximos dias procurar algumas dessas obras ímpares no meio da desarrumação dos meus arquivos. Depois, darei notícias sobre o périplo pelo universo destes gigantes tão gentis quanto inimitáveis.

20.8.04

"Thick as a Brick"

Desde a eclosão do "punk" e da "new wave" que o rock progressivo caiu nas ruas da amargura. Desprezado pelos seus excessos, passou a ser olhado com preconceitos. Quem não conhece, afirma também não querer conhecer. Porquê? Simplesmente porque ao ouvir dizer que há álbuns que têm apenas um tema e que a música não se limita a sucessivas canções de três minutos, prontas a serem deglutidas e rapidamente esquecidas, há quem fique logo desencorajado de fazer a experiência.
É uma pena mas sobretudo porque essa espécie de autismo impede a descoberta de muito bom material que, ao contrário das opiniões dominantes que já se transformaram num lugar-comum, fez dos anos 70 uma década rica e produtiva no campo da música. O nome Jethro Tull é capaz de fazer arrepiar os cabelos a muita gente mas trata-se da designação de uma das bandas mais originais e importantes daquele estilo.
Liderados por Ian Anderson, os Tull gravaram uma meia dúzia de álbuns históricos e obrigatórios em qualquer colecção de rock progressivo. No início ninguém diria, já que a carreira do grupo começou por se basear na recriação de temas de blues, com a particularidade de, além da guitarra eléctrica, o instrumento solista mais importante ser a flauta tocada pelo seu líder.
"Thick as a Brick" é, para mim, um dos expoentes máximos da obra dos Jethro Tull. A começar pela capa. Na edição original, o 33 rotações vinha empacotado dentro de um jornal, repleto de notícias fantasiosas e no meio das quais eram incluidas as letras cantadas por Anderson, apresentadas como tendo sido da autoria de Gerald Bostock, um alegado génio de apenas oito anos de idade.
O disco era mesmo desses que agora suscitam a antipatia prévia de quem não o conhece. Incluia apenas um tema e este, se tivesse sido gravado na era do CD, seguramente nem necessitaria de ter sido quebrado em duas partes, tantas quantos os lados de qualquer vinil. A música está cheia de melodias inspiradas no folk que caracterizaram o som da banda e que jogam em contraste com as passagens mais pujantes e viradas para o hard-rock.
Os instrumentistas são de grande categoria. Martin Barre era um guitarrista de vastos recursos, assim como o baterista Barriemore Barlow. E tudo ia girando em torno da criatividade de Ian Anderson no capítulo da composição e no virtuosismo de que dava provas de cada vez que pegava na guitarra acústica ou na flauta.
Durante anos, escutei "Thick as a Brick" através de uma cassete onde tinha gravado o álbum emprestado por um amigo. O som não era brilhante mas isso nunca esmoreceu o meu fascínio por este disco de 1972. Ainda hoje gosto de voltar a ouvi-lo de fio a pavio. E louvo o facto de o CD me dispensar de ter que ir até junto da aparelhagem, precisamente a meio da audição, para virar o álbum para o lado B. Há momentos em que ninguem gosta de ser interrompido.

Se conduzir, não abuse de Bach

Espero que este "post" não seja lido pelas autoridades policiais, sempre disponíveis para, no combate à sinistralidade nas estradas, inventarem novas proibições nem sempre razoáveis ou sequer eficazes. A questão é que escutar música verdadeiramente empolgante enquanto se conduz pode colocar em causa a segurança do condutor, ocupantes do veículo e restantes automobilistas.
Passo a explicar. Aqui há uns anos, depois de ter poupado todos os tostõezinhos para comprar um carro novo, decidi aplicar os excedentes que me restavam num leitor de CD e nuns altifalantes decentes. Nada disto tinha a ver com aqueles artefactos do "tuning" que servem para dar nas vistas mas que são completamente desadequados para ouvir música.
Para estrear o aparelho, escolhi alguns dos CD que na altura andava a ouvir. Entre eles estava a versão dos Concertos Brandeburgueses, de J.S. Bach, interpretada por Trevor Pinnock e The English Concert, numa edição da Archiv. Coloquei os discos na respectiva caixa e fiz-me à estrada, pronto para gozar um dia de singela felicidade.
Tudo foi correndo sem sobressaltos. Excepto quando me achei, por coincidências do destino, a descer as curvas que ligam Chão de Meninos a Sintra. Não é o troço de estrada mais indicado para distracções mas o fulgor do terceiro andamento do concerto nº 3 tinha-me transportado para uma qualquer nuvem, alheando-me dos obstáculos da via rodoviária. E, à entrada para mais uma das inúmeras curvas, a estrada começou a escassear, os pneus a chiar e as árvores, que ficam tão bem naquela paisagem bucólica, a parecerem levemente ameaçadoras.
O episódio não acabou mal. Nem para mim nem para a seguradora. E, apesar do susto, aquela peça do compositor alemão continua a figurar entre as minhas favoritas. Fiquei foi a saber que enquanto conduzir não devo abusar dos néctares de Baco nem da música de Bach.

Doces caseiros

Já aqui chamei a atenção para os Iron and Wine, a propósito da edição do seu mais recente álbum, "Our Endless Numbered Days". Quem aprecie canções simples, serenamente dedilhadas nas guitarras acústicas e decoradas através de competentes harmonias vocais, como nos bons tempos de Simon and Garfunkel ou dos Crosby, Stills, Nash and Young, não deve deixar escapar uma eventual oportunidade para conhecer esta recente "banda".
E escrevo entre aspas porque, na realidade, Iron and Wine é apenas o nome de combate por detrás do qual se esconde o verdadeiro artífice destas canções de embalar, de seu nome Samuel Beam. O músico nasceu em Miami, na Florida, de onde habitualmente se esperam outras sonoridades nem sempre recomendáveis, de acordo com o ambiente "kitch" que rodeia aquela cidade norte-americana.
Rezam as crónicas do All Music Guide que Beam gravou em casa dois CD inteirinhos com canções originais que enviou para o produtor Jonathan Poneman. Este entusiasmou-se com o que ouviu e decidiu editar o repertório em 12 temas que foram incluidos em "The Creek Drank The Cradle" e num EP intitulado "The Sea And The Rythm". Trata-se, sem dúvida, de música feita na intimidade do lar, sem artifícios de produção de qualquer espécie e que, no caso do álbum de estreia, tem uma atmosfera bem próxima das raízes da música popular norte-americana. Banjos e "slide guitar" são alguns desses condimentos que evocam o princípio de tudo o que veio a gerar o rock.
Por estas razões, aconselho uma audição de "The Creek Drank The Cradle". E, embora correndo o risco de me repetir, também de "Our Endless Numbered Days". Apesar de este álbum ter já sido gravado em estúdio, estamos perante dois doces caseiros de elevado potencial mesmo para os paladares mais exigentes.

19.8.04

Stillwater e Allman Brothers

“Almost famous” de Cameron Crowe ocupa um lugar de destaque nas minhas preferencias cinematográficas. Trata-se de um filme que aconselho a qualquer pessoa, mas que os melómanos com especiais interesses nos anos 70 não deviam deixar passar. Se por acaso alguém ainda não viu, a história relata as aventuras de um repórter de tenra idade (15 anos) que acompanha a digressão norte-americana dos “Stillwater” em 1973 ao serviço da Rolling Stone. Nos extras do DVD o realizador conta que o filme é bastante autobiográfico já que se inspira na sua própria experiência como jovem repórter da Rolling Stone e nos tempos que passou com os Led Zeppelin e os Allman Brothers, as principais fontes para a criação do arquétipo da banda rock dos anos 70, os “Stillwater”. Ainda nos extras estão disponíveis alguns dos artigos de Cameron Crowe publicados na Rolling Stone, que oferecem uma leitura muito agradável.
O “Allmost famous” despertou a minha curiosidade para os Allman Brothers, dos quais conhecia apenas o nome até então. A gota de água foi, contudo, uma notícia qualquer que ouvi ou li, não me lembro onde, que afirmava que não sei quem tinha considerado o Duane Allman e o Jimi Hendrix os dois maiores guitarristas de sempre. Ainda que estas afirmações do “melhor de sempre” tenham a validade que têm (afinal isto de tocar um instrumento não é bem a mesma coisa que uma prova olímpica), fiquei assustado por não conhecer absolutamente nada da obra dum guitarrista que alguém estava a comparar ao Jimi Hendrix, um dos meus ícones de sempre.
Passei à acção e decidi comprar alguma coisa dos Allman Brothers. Tinha de ser alguma coisa antiga, pois não obstante a larga carreira da banda o Duane Allman só participou nos primeiros registos tendo falecido em 1971 (e não foi o único elemento do grupo a desaparecer de forma prematura no principio na década de 70). A escolha recaiu sobre “Live at Fillmore East”, de 1971, e “Eat a Peach” editado em 1972 aproveitando algumas faixas já gravadas ainda com a participação de Duane. Ambos os registos, ainda que as minhas preferencias recaiam sobre o primeiro, mostram mais que um guitarrista virtuoso uma banda sólida e cheia de talento. Os Allman Brothers ao vivo abrem o livro do rock, do blues, do folk, com sérias incursões no jazz. “Live at Fillmore East” mostra uma banda que domina vários idiomas musicais, alguns bastante complexos, e uma sintonia que lhes permite improvisar por muitos e muitos minutos sempre a roçar a genialidade. A faixa “In memory of Elizabeth Reed”, de Dickey Betts, o outro guitarrista, dá para perceber os territórios pelos quais os Allman Brothers se permitiam fazer incursões.
Tem piada que aqui há uns tempos apercebi-me que nas notas que acompanham a minha edição do “Kind of Blue” do Miles Davis tem um texto de Robert Palmer que dedica o primeiro parágrafo a Duane Allman e aos concertos em Fillmore East.

18.8.04

Uma má surpresa

Os Love são uma banda de culto dos anos sessenta. Arquétipos da curta era do psicadelismo que teve o seu epicentro em cidades como São Francisco ou Los Angeles, foram os autores de um dos álbuns míticos dessa época de paz e amor e "flower power". Recentemente, a banda decidiu reunir-se para interpretar ao vivo e na íntegra o seu álbum mais celebrado, "Forever Changes".
Sob uma aparência de simplicidade, as canções são elaboradas e as melodias não entram no ouvido à primeira. Talvez por isso, a sua popularidade não tenha ultrapassado um círculo relativamente restrito de apreciadores que, quase 40 anos depois, ainda veneram aquele disco e não hesitam em colocá-lo entre os melhores de sempre da história da pop e do rock.
Há, no entanto, quem envelheça bem, como é o caso evidente de Paul McCartney, e quem não o consiga fazer. No DVD que regista um dos espectáculos do grupo liderado por Arthur Lee é notório o desgaste dos músicos em contraste com a frescura que ainda ressalta das canções de que Lee foi, em grande parte, autor e compositor. A voz do líder dos Love está pouco menos do que estafada e a prestação que é testemunhada em "The Forever Changes Concert" revela-se pobre, não chegando para entusiasmar quem se disponha a vê-la e escutá-la.
Assistir a esforços inglórios para manter viva uma juventude perdida é algo que pode gerar incómodo. Foi o que senti perante este DVD dos Love, embora não chegando a atingir os níveis de constrangimento que me provocou um vídeo dos Beach Boys gravado em 1980. Quem queira ver um retrato eloquente de decadência patética pode limitar-se a ver este documento que, ao contrário do que era a essência da música da banda de Brian Wilson, confronta qualquer pessoa com o risco de ficar deprimida.
Com os Love não se chega a este estado de espírito. Mas anda-se lá perto.

Uma boa surpresa

Adquirir concertos recentes de antigas glórias é um risco. Podemos confrontar-nos com agradáveis surpresas mas também com algumas desilusões que deixam uma sensação de nostalgia e desencanto. O DVD que inclui um documentário sobre a mais recente digressão de Paul McCartney nos Estados Unidos integra-se na lista das boas surpresas.
Tal como foi possível constatar durante o concerto que McCartney deu em Lisboa, na abertura do Rock In Rio, o antigo elemento dos Beatles está em grande forma e sabe escolher os músicos que o acompanham. Os velhos êxitos dos "Fab Four" são interpretados com grande rigor e as harmonias vocais, uma das imagens de marca da banda de Liverpool, revelam estar bem ensaiadinhas.
O ambiente transmitido pela realização é fantástico. Há gente de diversas gerações que, como George Martin assinala no documentário, se foi rendendo aos encantos do rock puro de "Can't Buy Me Love" ou aos hinos como "Let it Be" ou "The Long and Winding Road". O entusiasmo e a boa onda de Paul McCartney são de tal forma hipnotizantes que até nos esquecemos que o homem já ultrapassou a barreira dos 60 anos. Dir-se-ia, sem exageros, que, pelo contrário, parece ser um adolescente de regresso aos tempos do Cavern Club.
Amigos meus que não eram grandes entusiastas do Paul McCartney viram-se na contigência de ter de mudar de opinião depois de terem visto este DVD. E, se eu tivesse percentagem no acréscimo de vendas em Portugal do documentário em causa, a esta hora podia estar a sonhar com umas férias nas ilhas Maurícias...


17.8.04

Cuidado com as cópias

Andava eu distraído com os Deep Purple e os Led Zeppelin quando, um dia, um amigo que entretanto se desligou destes meandros da música me apresentou os The Who. A banda já tinha carreira suficiente para ser conhecida de qualquer melómano que se prezasse. Mas eu tinha-me mantido na ignorância, ocupado com outras propostas que me garantiam níveis de adrenalina elevados.
O álbum que me introduziu nos sons do grupo de Peter Townshend foi “Tommy”. Gostei, pedi o duplo álbum emprestado e, durante alguns meses, desfrutei da novidade que fazia furor por esse mundo fora, através de um rústico leitor de cassetes para onde tinha transferido integralmente aquela “ópera-rock”. Com a curiosidade aguçada, decidi manter-me atento a futuras edições. E, em casa de uns primos que, de forma comunitária, lá iam construindo uma invejável colecção de discos, deparei com o “Who’s Next”.
O deslumbramento foi imediato. A irrequieta bateria de Keith Moon, o virtuosismo do baixo de John Entwistle, a voz ora dura, ora melodiosa de Roger Daltrey e tudo o resto que ficava sob a responsabilidade de Townshend, desde a composição às guitarras e aos teclados, deixaram-me completamente rendido. A obra-prima começava logo pelo hino “Baba O’Rilley” e prosseguia com “Love Ain’t For Keeping”, “The Song Is Over” e um remate final do álbum, através de “We Won’t Get Fooled Again”, que bem merece ficar nos anais do rock como um arquétipo do estilo.
Recentemente, um grupo recém aterrado nas escolhas das rádios reavivou-me o interesse por este álbum, por causa de uma nova versão de “Behind Blue Eyes”. O tema respeita razoavelmente o original mas apaga a ponte, em ritmo contrastante, que sublinha um final quase épico. É uma omissão muito parecida com um erro crasso e que retira à canção uma boa parte do seu interesse. Aqui fica, portanto, uma prova de que convém conhecer o original antes de nos entregarmos às fotocópias. Pela minha parte, dispenso as imitações. Até porque, no caso de “Who’s Next”, acho que não há maneira de alguém conseguir fazer melhor do que os The Who gravaram em 1971.

JJ no paraíso imperfeito

Assinala, e bem, um dos leitores mais fiéis do AiFai que JJ Cale pode ser visto e escutado num DVD gravado em 1979. Num ambiente recatado, como é do gosto do guitarrista, Cale passa em revista aquilo que tinha sido a sua carreira até àquele ano. Os cabelos já estão a ficar brancos e a realização, no pequeno espaço dos Paradise Studios, em Los Angeles, não parece ter sido bafejada com grandes oportunidades para fazer história.
Há blues, em doses familiares, com o improviso que faz parte das regras. Basta passar em revista os temas "T-Bone Shuffle" e "T-Bone Backwards" para se ficar a perceber a atmosfera da sessão. JJ Cale surge em grande forma e demonstra a sua mestria no manuseamento da guitarra. Estes são os pratos fortes do registo em causa. De resto, a banda é competente mas Leon Russel fica a milhas de distância do fulgor evidenciado alguns anos antes quando, em pleno Madison Square Garden, em Nova Iorque, mandou os Rolling Stones às urtigas e deixou para a posteridade uma versão diabólica de "Jumpin' Jack Flash".
No DVD de JJ Cale, a voz surge subjugada pelo som da banda e há instrumentos, a começar pela percussão, que mal se ouvem, para não se dizer que se não se conseguem escutar de todo. Vale a pena ver e ouvir o concerto mas o guitarrista merecia melhor, quer do ponto de vista da imagem, algo datada, como também da captação dos instrumentos que decidiu incluir nesta prestação. Fica para a próxima. E, entretanto, continuamos à espera de notícias frescas de "To Tulsa and Back".

16.8.04

Steve McQueen e os Prefab Sprout

"Le Mans", filme protagonizado por Steve McQueen, fez há pouco tempo a sua aparição nas prateleiras de DVD das lojas da especialidade. Escusado será dizer que o comprei com um suspiro de saudade pelos tempos de início da adolescência em que seguia atentamente o que se passava no mundo das corridas de automóveis.
As "24 Horas de Les Mans" eram uma prova mítica em que, na altura, corriam os fantásticos Porsche 917. O filme, embora indigente quanto ao argumento, era um belíssimo documentário ficcionado sobre a corrida que anualmente tinha lugar naquele extenso circuito francês. Para mim e uma boa parte dos meus amigos, ver as imagens e ouvir o ruído daqueles bólides enquanto aceleravam na pista era motivo de grande deleite.
Desta revisão da matéria dada na disciplina cinematográfica até decidir ir à procura nos meus caóticos arquivos do álbum "Steve McQueen", dos Prefab Sprout, foi apenas um pulo. Segundo trabalho de estúdio da banda de Paddy McAloon, este disco foi uma lufada de ar fresco quando surgiu, em 1985. A pop ganhava uma colecção de canções com melodias elegantes e sofisticadas através de faixas como "Bonny", "Appetite", "When Love Breaks Down" ou "Goodbye Lucille #1".
Quando comprei o vinil, Portugal estava ainda no tempo das restrições às importações. Ou se pedia a alguém que tentasse trazer o disco de fora ou não havia outra coisa a fazer que não fosse abrir os cordões à bolsa e adquirir uma prensagem nacional. Devo ter ido à loja trocar este disco umas três ou quatro vezes. Os exemplares pareciam ter todos o mesmo defeito: entre o final de "Faron Young" até já bem dentro de "Bonny", havia um insistente "scratch" capaz de dar cabo da cabeça a qualquer um. Acabei por me resignar e fiquei com uma cópia que estava mais ou menos aceitável.
Como é bom saber que, embora não estejam livres de defeitos, os CD resolveram uma parte dos problemas que afectavam os velhinhos 33 rotações, mesmo quando estavam acabados de estrear. E é assim que, embora já tenha prestado bons serviços desde que o comprei, "Steve McQueen", em versão "compact-disc", preserva toda a pureza cristalina da produção e das canções que, ao segundo álbum, empurraram os Prefab Sprout para debaixo dos holofotes.


Novamente Boismortier

Serve este post para agradecer ao Aviz a sugestão sobre os "Cinco Concertos para Flauta", de Joseph Bodin de Boismortier. Pelo que me foi dado perceber, no mercado só está disponível a versão editada pela Naxos. A música é excelente e o disco tem a vantagem de ser a preço reduzido, característica comum aos lançamentos desta etiqueta. Como se costuma dizer, recomendo vivamente.

15.8.04

Um serão com JJ Cale

Tem como título "To Tulsa and Back" e é a mais recente edição discográfica de JJ Cale. Ainda não tive oportunidade de escutar o novo CD deste discreto mas essencial guitarrista nascido em Oklahoma City. Mas uma curta recensão publicada na revista "Grande Reportagem" garante que vale a pena fazer uma audição.
Conheci a música de JJ Cale nos idos de 70, depois de ter escutado uma versão de "After Midnight" que integrava o primeiro trabalho a solo de Eric Clapton. Só após este tema se ter tornado num êxito, pela mão do antigo elemento dos Cream, Cale procedeu à gravação e lançamento do seu primeiro disco. "Naturally" surgiu em 1971, revelando um saboroso cruzamento entre o rock, os blues e a country, interpretados com a descontracção de quem aprecia, sobretudo, tocar com e para os amigos.
Foi nesta atmosfera de serenidade que JJ Cale desenvolveu toda a sua discografia. E nem o súbito sucesso de "Cocaine", faixa incluida em "Troubadour", de 1976, o fez mudar de rumo. Ao longo dos anos foram-se acumulando temas que não conheceram fama nem sucesso retumbantes e que, por isso, são uma espécie de meios segredos bem guardados da história do rock. "Magnolia", "Call Me The Breeze", "Cajun Moon", "Carry On" e muitas outras, são canções a merecerem atenção renovada enquanto se aguarda pela oportunidade de escutar "To Tulsa and Back".
Quem aprecie colectâneas e queira conhecer este músico, que vai a caminho de uns respeitáveis 66 anos de idade, pode optar pelo "The Very Best of JJ Cale", um duplo CD editado em 1998. Está lá uma boa parte daquilo que é importate conhecer. Depois, é só ligar a aparelhagem e desfrutar de um serão tranquilo.

14.8.04

Três razões para se gostar de Phil Collins

1 - A partir da sua integração nos Genesis, com estreia no álbum "Nursery Crime", o grupo ganhou nova consistência. O baterista estava ao nível das capacidades de execução dos restantes elementos e depressa se tornou num dos pilares essenciais do som fortemente personalizado do grupo. "Cinema Show", um dos temas de "Selling England By The Pound", é um dos bons testemunhos das capacidades de Collins como baterista.

2- Fundou, com Percy Jones (baixo), John Goodsall (guitarra) e Robin Lumley (teclados), os Brand X. O primeiro álbum desta banda, "Unorthodox Behaviour", lançado em 1976, fez sensação entre os apreciadores de jazz-rock. A dupla Collins-Jones faz um trabalho excepcional. Pelo que ficou registado neste disco se consegue perceber que o baterista tinha muito mais para dar do que aquilo que acabou por fazer nos anos seguintes da sua carreira.

3 - Após o abandono de Peter Gabriel, saber quem poderia substituir a sua inconfundível e inimitável voz na formação dos Genesis transformou-se num grande ponto de interrogação. Phil Collins acabou por assumir a difícil tarefa e saiu-se muitíssimo bem. Os álbuns "A Trick of the Tail" e "Wind and Wuthering" não deixam dúvidas sobre esta questão. E Collins até superou todas as expectativas, apesar de, ao vivo, se ter perdido a teatralidade que era característica de Gabriel, um apreciador confesso de grandes produções.

Três razões para se odiar Phil Collins

1 - Baterista cheio de potencial, Phil Collins trocou este seu talento por uma carreira de intérprete de canções românticas enjoativas. Nos seus álbuns a solo, ainda se podem, aqui e ali, encontrar alguns temas interessantes. É o caso do instrumental "Hand in Hand", incluido em "Face Value". Mas tudo começou a descambar, sobretudo a partir daquele "single" que foi banda sonora do filme "Against All Odds".

2 - Parece claro que Collins foi o principal responsável pelo acelerado processo de abandalhamento dos Genesis verificado a partir dos anos 80. Chegou-se ao ponto de ser tarefa para especialistas conseguir distinguir entre o que era trabalho assinado pela banda ou apenas pelo baterista. De um dos grupos mais originais do "rock progressivo", os Genesis passaram a preguiçosos produtores de efémeros êxitos "pop" como "Invisible Touch" ou o banalíssimo "I Can't Dance".

3 - Em vez de dar sinais de evolução como instrumentista, Collins agarrou-se a meia dúzia de "breaks" que, ao longo dos anos, foi repetindo até à exaustão. À primeira até teve graça. Lembram-se da entrada da bateria em "In The Air Tonight"? Depois fartou. E nem os discos em que colaborou como produtor e músico escaparam à maldição. Basta ouvir "Behind The Sun", de Eric Clapton, para se perceber do que estou a falar.

Há coisas que não passam

Após a separação dos Beatles, as maiores expectativas sobre o futuro a solo de cada um dos seus membros recaiam sobre John Lennon e Paul McCartney. Tinha sido esta parceria, cada vez mais desfeita à medida que a aventura se aproximava do fim, que havia criado a esmagadora maioria das canções eternas que foram legadas pelos "fab four". No entanto, George Harrison tinha uma agradável surpresa escondida na manga.
Embora durante os derradeiros anos de actividade da banda tivesse assumido uma contribuição mais intensa no capítulo da composição, através de temas como "While My Guitar Gently Weeps", "Something" ou "Here Comes The Sun", o guitarrista tinha, ainda assim, acumulado um arquivo de canções pouco menos que fabuloso. E quando, em 1970, Harrison lançou o triplo álbum "All Things Must Pass", o mundo rendeu-se ao seu talento criativo. Recordo-me de ter começado por adquirir o single que tinha "My Sweet Lord" no lado A e "Isn't It A Pity" na face B. Seguiu-se a compra do 45 rotações que continha "What Is Life" e "Apple Scruffs". Algum tempo depois, um familiar generoso decidiu trazer-me de Inglaterra a caixa com os três LP que integravam "All Things Must Pass". Foi o delírio.
Além daqueles temas, o trabalho mais entusiasmante da carreira de Harrison ainda incluia "I'd Have You Anytime", "If Not For You" (de Bob Dylan), "Beware of Darkness" e "Behind That Locked Door", assim como a bela e melancólica canção que dava o título ao álbum. Por aqui se ficava a saber que, só à conta de George Harrison, os Beatles ainda poderiam ter gravado pelo menos mais um álbum com um nível qualitativo comparável a outros que, com a sua assinatura, ficaram para sempre inscritos nas páginas mais brilhantes da história da pop.
Reescutar essas canções nas suas versões originais é um exercício de puro prazer. Mas também o DVD sobre o concerto de homenagem a George Harrison, organizado por Eric Clapton, é uma oportunidade a não perder. Não apenas por incluir alguns temas do triplo álbum de 1970, entre os quais "All Things Must Pass" numa interpretação assegurada por Paul McCartney, mas porque passa em revista composições que figuraram em trabalhos a solo e dos Beatles e outros que resultaram de colaborações com os seus antigos companheiros, nomeadamente com Ringo Starr. São os casos de "Give Me Love", "Taxman" e "Photograph", por exemplo.
A banda que actua em "Concert For George" está recheada de antigas vedetas, desde Jim Capaldi a Andy Fairweather Low, passando por Jeff Lynne, Jim Keltner, Billy Preston e Tom Petty. Os arranjos originais são respeitados com rigor q.b. e os músicos são de uma competência irrepreensível. Como tributo ao "Beatle tranquilo", dificilmente se poderia ter feito melhor. Na categoria dos concertos de pop/rock em DVD, está definitivamente no top das minhas preferências de sempre. Felizmente, há coisas que não passam. E aguardo com ansiedade a edição neste suporte de "The Concert For Bangla-Desh".

di Battista

O saxofone soprano é um dos meus instrumentos preferidos no jazz. Por um lado, permite tocar aquelas notas que roçam os infra sons. Por outro lado (e estou a inventar pois sou um absoluto leigo na matéria) deve ser mais fácil debitar quantidades alucinantes de notas por compasso quando em comparação com os primos mais crescidos. Pelo menos nas mãos de certos executantes (se isto não for verdade deve ser pelo menos mais confortável andar de um lado para o outro com esta flauta graúda do que com um saxofone tenor com o triplo do peso...). Só é pena que o maior divulgador do instrumento seja esse monstro sagrado da música de elevador e permanente candidato aos prémios moto-serra, a instituir numa data próxima aqui no Aifai, que dá pelo nome de Kenny G (G? não quero nem saber...).
Tudo isto para falar de Stefano di Battista e do seu álbum homónimo editado em 2000 pela Blue Note. O saxofonista italiano é acompanhado pelo recentemente falecido baterista Elvin Jones, Jacky Terrasson no piano e Rosario Bonaccorso no baixo. O trio rítmico é irrepreensível e o Elvin Jones, não obstante a provecta idade - devia andar por volta dos 73 anos quando o disco foi gravado -, mostra-se em plena forma. Mas a estrela da companhia é mesmo o saxofonista.
A faixa de abertura, “Elvin’s Song”, é daquelas em que a audição pode ter efeitos perigosos. Passo a explicar. O ritmo, exemplarmente mantido por Elvin Jones, é um permanente contratempo, daqueles que estão sempre a empurrar a música para a frente e que lhe dão uma cadência quase frenética, que contrasta com um tema muito redondinho e melodioso. O êxtase chega com o solo do soprano. Em poucas palavras (numa), é genial!
Di Battista deve tocar todas as notas que o instrumento permite a uma velocidade estonteante mas sempre sem perder o equilíbrio. Repete padrões que ficam pendurados por segundos na nota “errada”, daqueles que até fazem doer o ouvido, para depois concluir a frase da única forma correcta e pelo meio ainda tem tempo para chegar aos tais infra sons no topo da escala, enfim, um artista. Em simultâneo, o ritmo obriga-nos a “tocar” bateria na atmosfera com braços, pernas e cabeça acompanhando a actividade com expressões faciais dignas do melhor metaleiro cabeludo.
A música é perigosa porque uma vez ouvida leva à compra compulsiva e, principalmente, porque apenas deve ser escutada em ambientes controlados. Certamente não querem fazer figuras tristes com uns olhares esgazeados de loucura enquanto movem freneticamente os membros superiores em frente a outras pessoas (o Billy Shears costuma reagir assim a este disco e eu garanto que não é um espectáculo bonito).

Leiam este "post"!

Espero que o título tenha sido suficientemente expressivo. O assunto deste "post" é simples mas é importante. Quem queira aprender alguma coisa sobre os anos 70 não deve deixar de ler os comentários do José, um leitor que começa, felizmente, a ser fiel aqui no AiFai. Aconselho a leitura dos textos que nos deixou a propósito de "Música, Som e Surpresa" e de "Saudades de Roy Harper". Obrigado pelo manancial de informação, verdadeiramente enciclopédica, que nos vai trazendo.

P.S. - A propósito, hoje mesmo encomendei mais três CD do Roy Harper. Seguem comentários num dos próximos dias, assim que os discos me chegarem às mãos.

13.8.04

Perdidos e achados

Vou passar por ignorante junto dos apreciadores de jazz mas confesso que a já longa carreira discográfica de Carla Bley nunca me despertou grande interesse. Fui escutando umas coisas dispersas, aqui e ali, mas nunca fiquei deslumbrado com a obra desta pianista norte-americana. Provavelmente porque dei pouca atenção àquilo que me foi mostrado, em audições fugazes, em casa de amigos.
E digo provavelmente por um motivo simples. Recentemente fui fazer uma visita higiénica à Fnac de Cascais e deparei-me com um posto de escuta com o mais recente CD de Bley. Decidi experimentar e fiquei favoravelmente impressionado. A gravação, realizada ao vivo, mostra quão vastos são os talentos e a versatilidade da pianista, cujas composições se distribuem entre o classicismo e o vanguardismo, sendo dotadas de uma serena elegância que as tornam apelativas.
O naipe de músicos que integram o quarteto de Carla Bley é de primeira extracção. Steve Swallow assegura o baixo eléctrico, Billy Drumond trabalha a bateria e Andy Sheppard reparte o seu tempo entre os saxofones soprano e tenor. Sugiro que, para começo de vida, se escute o solo de sax em "Wink Leak Traps", a segunda secção do tema "Blind Mice". Depois, pode avançar-se para o dançável "Hip Hop", na esperança de que estas duas faixas serão suficientes para convencer os mais cépticos de que "The Lost Chords" é um dos bons álbuns deste ano.
Após tantos acordes perdidos, acho que uma das tarefas que vou concretizar nos próximos tempos é a de me dedicar ao conhecimento mais detalhado do que Carla Bley andou a fazer desde a edição do seu primeiro disco, em 1968.

Música, som e surpresa

Num dos comentários ao post sobre "Bullinamingvase", de Roy Harper, um leitor do AiFai recorda a revista "Música & Som". Para milhares de melómanos portugueses de finais dos anos 70 e início dos 80, esta foi uma das publicações especializadas de referência. O mercado nacional era pequeno, característica que não mudou muito desde essa época, e as iniciativas neste campo depressa eram votadas ao fracasso por falta de compradores e/ou de investidores que sustentassem a aventura.
Lembro-me também do semanário "Musicalíssimo" e da dificuldade em conseguir obter-se, em Portugal, cópias de jornais britânicos como o "Melody Maker" e o "New Musical Express". Apesar de existir um público ávido de novidades, os meios de comunicação dedicados ao ramo escasseavam e julgo que sobreviviam com enormes dificulades. As rádios, a começar pela Comercial, iam preenchendo as lacunas, pelo menos no que se refere à divulgação dos discos que chegavam a Portugal com meses de atraso em relação às datas de lançamento nos mercados mais importantes.
A pirataria era, aparentemente, uma ameaça remota e nomes como Jaime Fernandes ou João David Nunes passavam álbuns inteiros nos seus programas radiofónicos. Durante alguns meses, enquanto não juntei dinheiro para adquirir o LP, escutei no meu leitor de cassetes o "Animals", dos Pink Floyd, que tinha sido divulgado, sem interrupções, numa dessas emissões.
Mas o que mais me surpreendeu no comentário ao texto sobre o Roy Harper, é a lista de discos que o leitor afirma deverem ter sido citados pela "Música & Som" entre os melhores de 1977. Considerando que o "punk" e a "new wave" já tinham nascido, não deixa de ser motivo para grande pasmo, à distância de 30 anos, constatar a quantidade de boa música que ainda era, naquela altura, produzida por nomes da "velha guarda".
Jethro Tull, David Bowie, Frank Zappa, Steely Dan, ZZ Top, The Kinks... Um verdadeiro desfile de grandes nomes que, em breve, iriam ser passados à condição de dinossauros pelos jovens turcos. Felizmente, as modas vêm e vão mas a qualidade assegura a longevidade. E muitos dos discos que são referidos nessa lista elaborada pelo leitor do AiFai até evoluiram como o vinho do Porto. Sabem melhor depois de terem passado por um processo de envelhecimento que sublinhou a sua originalidade.

O fascínio do cosmos

John Fogerty, o antigo líder dos Creedence Clearwater Revival (CCR), vai dar alguns concertos nos Estados Unidos acompanhado pela E Street Band. Bruce Springsteen já garantiu que estará também em palco ao lado do guitarrista e dos músicos que habitualmente o acompanham. O "boss" é um fã confesso de Fogerty e já interpretou alguns temas dos CCR durante os seus espectáculos. Em actuações ao ar livre, "Who'll Stop The Rain" é uma das canções escolhidas por Springsteen para animar o público quando a chuva começa a cair.
Encontrei esta notícia algures num jornal electrónico aqui há uns dias. Por coincidência, tinha escutado na íntegra, algum tempo antes, um dos grandes álbuns dos CCR, "Cosmo's Factory". Lançado em 1970, este disco foi um dos sete de originais que John Fogerty e os CCR editaram em apenas quatro anos, entre 1968 e 1972. Inclui uma mão cheia de clássicos do grupo que, ao tempo em que foram lançados, me dediquei a coleccionar em formato 45 rotações. "Travelin' Band", "Lookin' Out My Back Door", "Run Through The Jungle", "Up Around The Bend" e "Long As I Can See The Light" são algumas das faixas que integram "Cosmo's Factory", muito justamente citado, com frequência, como o melhor álbum dos CCR.
Mas para se perceber como John Fogerty e os seus três companheiros - reduzidos a dois na gravação de "Mardi Gras" após o abandono de Tom Fogerty - dominavam bem a essência do "cocktail" de rock e country que caracterizava a sua música, é obrigatório ouvir "Ramble Tamble" e "I Heard It Through The Grapevine". No primeiro caso, Fogerty ataca o tema com um "riff" de guitarra daqueles que explicam por que motivo o rock conquistou um lugar predominante na música popular das últimas décadas do século passado. Em "Grapevine", os CCR mergulham num longo improviso, liderado por um electrizante solo de guitarra que vai evoluindo sobre a solidez da secção rítmica.
Quando alguém, desconhecedor da obra dos CCR mas interessado em descobri-la, me pergunta se não valerá mais a pena adquirir uma das diversas colectâneas de êxitos que estão editadas em CD, costumo aconselhar, antes, a compra de "Cosmo's Factory". É um excelente cartão de visita para a obra da banda e tem a vantagem de não se ficar a conhecer apenas os temas mais óbvios.

Top dos flops

"Gostei muito da vossa lista. Mas acho que se esqueceram de uma representação de peso: Whitney Houston com "I Will Always Love You". Claro que faltam aqui muitos candidatos, se calhar podiam fazer várias listas divididas por áreas, tal como a lista dos Grammys! Se os estilos musicais não forem suficientes, podem sempre dividir por nacionalidades e depois por estilos!!!! (Na categoria de Julio Iglesias há mais alguns nomes sonantes!)".

Obrigado, Ziggy (o apelido será Stardust?) pela mensagem. Whitney Houston não será esquecida numa futura lista de premiados. Pode até ser esse tema que os mais corajosos enfrentam com prazer e sem tampões nos ouvidos. Estamos conscientes que o universo de candidatos é tão vasto que nunca na vida conseguiremos elaborar alguma coisa que se possa qualificar como "short list". Mas, ainda assim, não desistiremos de tentar prestar o devido reconhecimento a quem o merece. Em breve haverá mais novidades.

12.8.04

Saudades de Roy Harper

Decorria o ano de 1978. A Valentim de Carvalho trazia de vez em quando alguns músicos a Portugal. Chegavam, davam entrevistas à imprensa e às rádios e marcavam presença em acções de promoção dos seus mais recentes álbuns. Acabavam por partir com a promessa de que em breve voltariam a solo lusitano para um concerto. Nunca cumpriam.
Roy Harper foi um dos protagonistas destas “visitas de médico”. Tinha acabado de ser lançado no país “Bullinamingvase”, disco que teve ampla divulgação e referências deslumbradas da crítica. Na loja da Valentim, na Avenida de Roma, em Lisboa, entretanto desaparecida, houve uma sessão de autógrafos com a presença da televisão.
Como a maior parte dos fãs não tinha comprado o álbum – escasseava o dinheiro enquanto a inflação comia o pouco que restava para estes luxos –, Roy Harper foi frequentemente solicitado a colocar a sua assinatura em capas do “Wish You Were Here”, dos Pink Floyd. E com tal insistência que os responsáveis pela sua vinda cá, notoriamente envergonhados, até já pediam para que os ávidos apreciadores do músico arranjassem outros suportes. Cadernos de apontamentos das aulas, bilhetes de autocarro ou de metro. Qualquer coisa serviria.
Para além das dificuldades económicas, sucedia também que, naquela altura, a fama de Roy Harper em Portugal provinha da sua vocalização em “Have a Cigar”, tema que abria o lado 2 de “Wish You Were Here”. Daí que numerosos fãs não tenham hesitado em pedir que o desejado autógrafo ficasse registado para a posteridade na capa daquele lendário álbum da banda de Roger Waters.
Depois deste breve período de popularidade, Roy Harper regressou a casa e ao esquecimento geral. Durante anos a fio, após o início da era do CD, “Bullinamingvase” esteve indisponível. Nem na Amazon era possível encontrar o álbum. A boa notícia é que a situação já foi corrigida. E quem pretenda recordar as canções deste álbum já só terá que dispor de ligação à internet e de um cartão de crédito devidamente provisionado. Isto se quiser ficar na posse de uma cópia respeitadora da lei.
De “One of Those Days in England”, partes 1 a 10, a “Watford Gap”, “These Last Days” , "Naked Flame" e “Cherishing the Lonesome”, está lá tudo. Um álbum que mistura o rock e a folk, com as guitarras acústicas a servirem de suporte básico para as sedutoras composições de Harper. O tema extra da edição em CD, “Breakfast With You”, era dispensável. Mas não chega para estragar o prazer de voltar a escutar uma excelente colecção de canções.

11.8.04

Top para começar mal o dia, revisto e aumentado

Quem se mete a fazer listas disto ou daquilo, corre sempre o risco de cometer injustiças. Há alguns tempos, o AiFai decidiu fazer o "Top 5 para começar mal o dia". O problema começava logo no reduzido número de laureados tendo em conta o vasto universo de candidatos. Por isso, e a propósito da sugestão recente de um leitor deste blog, aqui vai um novo top. Revisto e aumentado.

- "Hotel California" - The Eagles - Há quem aprecie o solo de guitarra. Mas nem isso salva o tema.

- "I Will Survive" - Gloria Gaynor - Uma das responsáveis pela disseminação do "disco-sound" nos anos 70. Devia ser processada ao abrigo das leis ambientais.

- "Daddy Cool" - Boney M - Tragam a moto-serra, por favor.

- "To All The Girls I've Loved Before" - Julio Iglesias - O sotaque castelhano a cantar em inglês é de gritos. Faz lembrar o Tony Silva, só que sem ter qualquer piada.

- "Have You Ever Really Loved a Woman" - Bryan Adams - Esta deve ter sido roubada ao Julio mas o Bryan mostra-se à altura das exigências.

- "Bicycle Race" - Queen - Candidatos com presença assegurada nestes "tops". Hoje calhou ser esta a canção eleita mas podia perfeitamente ser qualquer outra.

- "We've Got Tonight" - Kenny Rogers e Sheena Easton - Um par de jarras à moda antiga que azucrinou a cabeça de muita gente.

- "Still The Same" - Bob Seeger - Por acaso também é o autor do tema precedente. E pensar que, nos idos de 70, este tema passava na discoteca "2001", no Estoril. É de fugir a sete pés.

- "One For You, One For Me" - La Bionda - Não se importam de trazer novamente a moto-serra?

- "Love To Love You Baby" - Donna Summer - Na edição original ocupava o lado inteiro de um 33 rotações. Era de pedir misericórdia.

E, ainda, um prémio de carreira para Elvis Presley. Afinal de contas, ele foi mesmo o rei.

10.8.04

Potter e o saxofone mágico

Como ainda não li qualquer livro da série Harry Potter e nem me dei ao trabalho de ver o respectivo filme, de que está em estreia o segundo capítulo segundo me dizem, vou dedicando o meu tempo a outras personagens semelhantes. Isto é, figuras que têm o mesmo apelido embora pertençam a mundos ligeiramente diferentes. Concretamente, falo de Chris Potter, o saxofonista que anda a "espalhar miséria" pelos clubes de jazz por esse Mundo fora.
O mais recente disco foi gravado ao vivo no Village Vanguard, em Nova Iorque. Não é uma daquelas gravações que conquista à primeira audição. O tema inicial do CD, mesmo para quem aprecie o músico pela qualidade da sua obra anterior, tem um pormenor irritante. Uns ruídos que soam a teclado de telefone do início da era digital interferem com o som da banda que, além de Potter, inclui Scott Colley (contrabaixo), Bill Stewart (bateria) e Kevin Hays (piano).
Como não há mal que sempre dure, os inoportunos ruídos acabam por desaparecer. E o que surge depois é um sólido grupo de executantes liderados por um saxofonista de excelência. Chris Potter domina toda a gravação com o empolgante virtuosismo que lhe é reconhecido. O álbum chama-se "Lift" e na minha colecção de discos de jazz já conquistou um lugar de estimação. Fica mesmo ao lado de "Gratitude", um registo em que Potter homenageia muitos dos grandes saxofonistas da história da música e que se recomenda a quem ande distraído.

Bendita tecnologia

Os "posts" são como as cerejas. Atrás de uns vêm os outros. Depois de um jantar de mariscada com vista para a praia do Guincho, regressei a casa com vontade de ver e ouvir alguns temas que integram "The Last Waltz", versão DVD.
Dr. John e o seu brilhante fatinho de cerimónia, rematado com um lacinho cor-de-rosa capaz de competir com os velhos tempos do Miguel Esteves Cardoso. Ronnie Hawkins vestido à 'cowboy' de um bar decadente das profundezas da América. Neil Young de olhos vidrados a entrar no palco com o ar de quem não sabe exactamente onde está. Muddy Waters impondo a sua autoridade natural entre bons aprendizes dos "blues". Eric Clapton, já recuperado da espiral da heroina, manuseando a guitarra como um mestre imperturbável. E Joni Mitchel, no meio daquele mundo de machos, com a sua voz cristalina dando vida a uma canção de arrepiar a pele.
Depois de o filme ter estreado nos cinemas portugueses, no final dos anos 70, paguei bilhete para o ver mais de seis vezes. Para ser minimamente rigoroso devem ter sido mais de dez. Minimamente, sublinhe-se. Nessa altura, Portugal era uma inexistência para as digressões das bandas de grande, pequena ou média dimensão. Chegavam cá os discos, com horríveis prensagens "made in Portugal", e já era um pau. Porque as importações estavam limitadas pela necessidade de reequilibrar a balança de transacções correntes. Tempos complicados.
Felizmente, o país e o Mundo mudaram muito. De tal maneira que um dos prazeres que hoje em dia posso oferecer a um dos meus melhores amigos, um fanático para quem o Universo terminou nos anos 60 - e não estou a exagerar -, é a revisão da matéria dada através de "The Last Waltz", em DVD. Enquanto a ilustre personagem se deixa absorver pela magia que vai saltando da televisão e da aparelhagem de som, sempre se faz um intervalo nas intermináveis e inconclusivas discussões sobre a actualidade política lusitana. Bendita tecnologia.

9.8.04

"Van, The Man!"

No filme "The Last Waltz", que documenta o concerto de despedida dos The Band, Van Morrison é protagonista de uma interpretação incendiária do tema "Caravan", um clássico da sua discografia. Ainda soam os derradeiros acordes da canção, com público e músicos em delírio, quando Morrison abandona o palco dispensando testemunhar os aplausos e outras manifestações de reconhecimento pela sua intervenção. Robbie Robertson, o guitarrista de serviço, aproxima-se do microfone e exclama "Van, The Man!". Mas por essa altura já o ex-líder dos Them estaria a limpar o suor e a recompor-se para reentrar em palco no final do evento com o objectivo de ajudar a fazer os coros de "I Shall Be Released", de Bob Dylan.
Van Morrison é tido como um músico caprichoso e dotado de um feitio pouco menos que insuportável. Durante as apresentações ao vivo mantém uma fria distância em relação à audiência, limitando-se a fazer o seu trabalho. Pode não gostar-se do estilo mas, como ilustra a sua participação em "The Last Waltz", não é por aí que se encontram motivos para dar por mal empregue o dinheiro aplicado no bilhete. De qualquer forma, os registos de Van Morrison em estúdio têm a vantagem de poderem ser consumidos sem ter que se lidar com questões de menor importância.
Toda esta conversa vem a propósito de uma referência que o Aviz fez ao AiFai, aproveitando para confessar que Van Morrison também ali tem um lugar garantido na lista de favoritos. Dado que "Too Long In Exile" é o álbum do músico irlandês que actualmente mais se escuta por aquelas paragens, aproveitei a sugestão e fui escutar novamente esse CD que adquiri, há alguns anos, numa das minhas lojas de eleição: a Tower Records de Picadilly Circus, em Londres. Fica aqui o agradecimento ao Aviz por tão boa lembrança. Sobretudo pela oportunidade de voltar a escutar "Lonely Avenue", um daqueles temas que justificam plenamente a inclusão da função "repeat" nos leitores de CD.

8.8.04

Erudita "chill-out"

Os puristas mais radicais vão ficar ofendidos, porque acham que a música "erudita" é um terreno demasiado sério para ser confundido com música ambiente ou "chill-out". Mas como não quero desiludir o paul, que num "post" anterior deixou um recado para que eu desse algumas sugestões sobre "clássica" para ouvir enquanto se trabalha, decidi meter-me ao trabalho.
As peças que ficam aqui mencionadas não pretendem ser uma lista exaustiva. Trata-se apenas de algumas indicações, feitas de memória, mas que estou convencido que servem o propósito de criar uma atmosfera que não perturbe a concentração de quem se aplica na tarefa de ganhar a vida. São peças menores? Nem por sombras. Merecem uma audição atenta durante os períodos de lazer e acontece apenas, por coincidência, que podem ser escutadas sem perigo de interferências indesejadas, por quem tem o privilégio de trabalhar acompanhado por boa música.

- Vivaldi - À força de tanto serem utilizados nos mais diversos suportes, incluindo centrais telefónicas e anúncios a aparelhos de ar condicionado, os concertos para violino conhecidos como "As Quatro Estações" ficam de fora desta lista. Em alternativa sugere-se o "L'Estro Armonico". Pode ser a versão do English Concert, dirigido por Trevor Pinnock. Os seis concertos para flauta do mesmo compositor também são uma alternativa. E, para não variar, também neste caso pode optar-se pelo CD liderado por aquele maestro britânico. Ambos os discos estão editados pela Archiv.

- Telemann - A "Tafelmusik" é uma das obras-primas deste compositor alemão que em vida era mais famoso que J.S. Bach. Inclui um pouco de tudo, desde aberturas orquestrais a quartetos, trios e concertos. Pessoalmente, prefiro a versão da Musica Antiqua Köln, sob a direcção do violinista Reinhard Goebel (Archiv). Mas quem optar pela interpretação de Nikolaus Harnoncourt, com a Concentus Musicus Wien (Teldec), também irá muito bem servido. Uma vantagem não negligenciável é o facto de a obra integral abranger quatro discos, o que evita interromper frequentemente o cumprimento das obrigações para ir à procura de outra gravação. Tempo é dinheiro...

- Boismortier - Embora raramente seja citado entre os compositores mais importantes do período barroco, Boismortier tem algumas obras com interesse. Há um excelente disco de sonatas para duas flautas transversais sem acompanhamento que se ajusta plenamente aos objectivos em apreço. Foi gravado em 2001 por Stéphane Perreau e Benjamin Gaspon e está editado pela Disques Pierre Verany.

- Boyce - Outro ilustre desconhecido. As oito sinfonias que compôs estão disponíveis pelos menos em duas versões. Como desconheço a que foi gravada por Trevor Pinnock, aconselho a de Christopher Hogwood com a Academy of Ancient Music. A interpretação é tão suave que certamente ninguém irá atrever-se a alegar não ter conseguido completar, dentro dos prazos, aquele extenso relatório com que se queimaram as pestanas durante semanas a fio. Quem estiver interessado, pode encontrar o disco em causa no catálogo da Decca/L'Oiseau-Lyre.

- Albinoni - Famoso por uma composição, o "Adagio", de que não foi autor, Albinoni é sinónimo de música de fácil apreensão, mesmo pelos padrões do barroco que estão longe de se poderem considerar difíceis para o ouvido menos treinado. Entre outras hipóteses, citam-se três discos de concertos para cordas e oboé que foram editados pela Chaconne. A orquestra é a Collegium Musicum 90 e o líder é o violinista Simon Standage.

- Marais - As peças para viola de gamba deste compositor francês estão na origem da fama e prestígio alcançados pelo mestre catalão Jordi Savall. Sobretudo após a banda sonora do filme "Tous Les Matins Du Monde" ter promovido junto de um público mais vasto algumas dessas gravações. Sendo uma hipótese a não desprezar, estas obras têm um sucedâneo à altura da missão que se exige nas seis suites registadas pelo Quadro Hottetterre. Trata-se de um duplo CD, editado pela Teldec.

Há muito mais material disponível e a merecer ser citado. Mas estes discos já garantem muitas horas de trabalho. Mesmo para quem, por estar empregado em empresas altamente exigentes e competitivas, se veja na contingência de ter de "vergar a mola" ao fim-de-semana.

6.8.04

Regresso às raízes

Após longos anos de uma relação íntima e proveitosa com a música de Van Morrison, estive durante algum tempo sem ouvir os seus discos. Nem sequer me preocupei em escutar algumas das suas edições mais recentes. Gostar de música é um processo que também tem os seus ciclos. E há estilos ou intérpretes concretos que, por alguma razão, deixamos de lado por um determinado período para mais tarde voltar a descobri-los.
Numa viagem recente a Madrid, a Fnac foi um dos locais de romaria obrigatória. Várias vezes ao dia, na companhia de um melómano que quando se trata de comprar discos revela um desprezo assinalável por qualquer sentido de poupança - semelhante ou até mais grave que o meu -, lá fui espreitar as novidades e o fundo de catálogo. Tinha acabado de aparecer nas lojas "What's Wrong With This Picture", álbum de estreia do antigo líder dos Them na etiqueta Blue Note.
Como o disco estava disponível num posto de escuta e eu precisava urgentemente de comprar algo de novo para desfrutar na viagem de regresso a Lisboa, decidi experimentar. A surpresa não podia ser maior. A balada inicial, que fornece o título do álbum, conquistou-me imediatamente. Por causa da melodia simples, da orquestração e da voz. E o que vinha a seguir também não desiludia. Pelo contrário. Os blues, o rock and roll, a country, o jazz e o folk contaminavam as canções do álbum, numa rica fusão que é aquilo que Van Morrison melhor sabe fazer e que ninguém mais faz como ele.
É evidente que comprei o disco em questão. E, passados alguns meses, ainda é um dos álbuns que ouço com mais frequência. "Whinin Boy Moan", a segunda faixa do CD, é a minha preferida. Tem um "swing" que convida à dança e só é pena que o sizudo vizinho de cima não me permita escutar o solo de trompete como realmente merece: "loud and clear"!

5.8.04

About a boy

Pertenço aquele grupo de infelizes que não obstante o mês de Agosto decorrer soalheiro lá fora estamos fechados a trabalhar. Para suavizar o sacrifício, e sempre que a concentração o permite, dou um pulo à prateleira e trago de lá um disco que não me prenda demasiado a atenção para me fazer companhia. Porquê um que não me prenda a atenção? Simples, com esta relação tonta que tenho com a música – e que muitos partilharão – se trago algum dos meus discos preferidos fico a trauteá-los e lá se vai a concentração. Resultado, aproveito para tirar da prateleira aqueles que mal conheço, que vieram parar cá a casa sem ser pela minha mão, que ouvi uma ou outra vez e já não me lembro ou então recorro à música clássica do tipo “lounge erudito” (tema de um próximo post).
Esta semana tirei da prateleira “The boy with the arab strap” dos Belle and Sebastian, de 1998.
Por alguma razão estranha nunca lhe tinha dedicado a devida atenção. O estilo tranquilo, simples mas bem tocado, e a variedade dos temas faz com que este seja um disco interessante e equilibrado, daqueles que se ouvem do principio ao fim sem ter de passar à frente nenhuma faixa. Parece-me que “suave” é a palavra indicada para o descrever: provoca-nos um leve abanar da cabeça ou ligeiro bater do pé no chão a marcar o ritmo mas não nos obriga a levantar da cadeira para dançar.
Conclusão, hoje é quinta-feira e já vou na terceira audição do CD. Este já não pertence à lista dos que me podem acompanhar no trabalho. Já lhe dou muita atenção.

4.8.04

Cordas, parte II

Começo por fazer uma pequena inconfidência a propósito do "post" anterior. O paul é um executante de guitarra cheio de potencial mas deixa-se prejudicar pela sua indisciplina no que se refere a ensaiar. Posso garantir que, quando está para aí virado, sabe interpretar o "Blackbird" do princípio ao fim, sem hesitações. Consegue hipnotizar as audiências de tal forma que até nos esquecemos de que nunca se deu ao trabalho de decorar a letra e que canta o tema com uma voz aguda, um tanto ou quanto desincentivadora. Provavelmente pela necessidade de se concentrar no ofício que ocupa as suas mãos...
Adiante. Estou de acordo com o paul sobre a excelência das peças que escolheu como "top" do melhor que há em temas instrumentais de pop/rock executados em guitarra acústica. Atrevo-me, de memória e correndo, por isso, o risco de me estar a esquecer de alguma coisa importante, a acrescentar mais algumas sugestões.

- "Horizons" - Tema incluído no álbum "Foxtrot", dos Genesis, que antecede o célebre "Supper's Ready". Steve Hackett demonstra o seu virtuosismo de matriz clássica.

- "A Penny for your Thoughts" - Perdido no meio dos malabarismos realizados com a ajuda da "talk-box", que fizeram as delícias de 25 milhões de compradores do duplo álbum ao vivo de Peter Frampton, "Comes Alive", o tema merece uma audição. Para além dos efeitos especiais, o ex-guitarrista dos Humble Pie tocava umas coisas. O suficiente, pelo menos, para dar trabalho aos aprendizes de feiticeiro.

- "Never Going Back Again" - Não é totalmente instrumental mas esta faixa de "Rumours", o disco histórico dos Fleetwood Mac, é uma pequena pérola. Sobretudo para iniciados.

- "Over the Hills and Far Away" - A introdução de Jimmy Page a esta canção dos Led Zeppelin é uma referência inevitável. Ao contrário do que sucede nalguns solos feitos a quente, a execução é certinha e não há vestígio de notas falhadas.

Para já, é tudo. Embora uma consulta aos discos que estão guardados nos armários da cozinha possa vir a suscitar mais contributos.